Disparidade racial: taxa de mortalidade por 100 mil habitantes entre mulheres pretas é de 9,6, quase o dobro da taxa entre mulheres brancas, que é de 5,3.
Na batalha silenciosa da mulher com câncer, um alerta ressoa neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) chama atenção para a alta taxa de mortalidade por câncer do colo do útero entre as mulheres pretas.
De acordo com recente o estudo “Distribuição de óbitos por câncer de colo do útero no Brasil” ↗, publicado em 2021, que analisou dados de 2010 a 2019, mais da metade (53,66%) das mortes foram de mulheres de pele preta, na faixa etária entre 40 e 59 anos.
Outro dado relevante relacionado às mulheres pretas é que elas apresentaram a maior taxa de mortalidade por câncer de colo do útero entre as regiões brasileiras, com 9,8 óbitos por 100 mil habitantes. Essa taxa é quase o dobro da média nacional, que foi de 5,2 óbitos por 100 mil habitantes.
Além disso, mulheres pretas também tiveram a menor proporção de óbitos por câncer de colo do útero em relação aos óbitos por todos os tipos de câncer, com apenas 3,4%. Isso indica que as mulheres pretas são mais acometidas com outros tipos de câncer, além do colo do útero. Esses dados são baseados na tabela 2 do documento ↗.
Políticas Públicas voltadas à saúde da mulher
O Dr. Jesus Paula Carvalho, que faz parte da Comissão Nacional Especializada de Ginecologia Oncológica da Febrasgo, destaca a necessidade de políticas públicas voltadas para a saúde dessas mulheres pretas. Segundo ele, é essencial um olhar cuidadoso para essa questão, pois a taxa de mortalidade por câncer do colo do útero é maior nessa população.
O especialista explica: “O alto número de mortes por essa doença em mulheres pretas não se deve apenas à natureza dos tumores, mas também à dificuldade de acesso ao diagnóstico e ao tratamento. No Brasil, mesmo com as reivindicações e protestos de organizações do movimento negro, a discussão sobre as diferenças raciais na saúde ainda é muito limitada”.
A batalha silenciosa de mulheres pretas com câncer
A análise do estudo sobre a distribuição dos óbitos por câncer de colo do útero no Brasil, revela três fatores que contribuem para essa diferença na taxa de mortalidade entre mulheres pretas e brancas, que são:
Desigualdade social e racial: Conforme relatado no estudo, as mulheres pretas têm menor acesso aos serviços de saúde, a prevenção e ao tratamento do câncer de colo do útero, o que aumenta o risco de morte. Além disso, mulheres pretas sofrem mais discriminação e violência, o que afeta sua saúde física e mental.
Fatores biológicos e genéticos: O artigo menciona que existem diferenças na susceptibilidade e na resposta ao tratamento do câncer de colo do útero entre as mulheres pretas e brancas, devido a fatores como o tipo de HPV, o estágio do tumor, a expressão de genes e a presença de comorbidades.
Fatores comportamentais e culturais: O estudo observa ainda que as mulheres pretas têm menor frequência de realização do exame de Papanicolau, que é essencial para a detecção precoce do câncer de colo do útero. Além disso, sugere que mulheres pretas têm hábitos de vida como tabagismo, consumo de álcool e obesidade, que aumentam o risco de desenvolver a doença.
Essas causas são complexas e interligadas, e abordá-las exigirá esforços em muitos níveis da sociedade.
Estudos e pesquisas comprovam as diferenças
Outra pesquisa, intitulada “Desigualdades raciais no acesso à saúde da mulher no sul do Brasil” ↗, publicada em 2011, investigou essa disparidade. O estudo entrevistou mais de 2 mil mulheres e descobriu que as mulheres negras realizaram menos exames de Papanicolaou e mamografias em comparação às mulheres brancas.
Um outro estudo de 2020, chamado “Atrás das grades: o peso de ser mulher nas prisões brasileiras” ↗, analisou a situação das mulheres presas no Brasil. A maioria dessas mulheres tem menos de 40 anos e 65% delas são pretas ou pardas. O estudo revelou que 9% dessas mulheres nunca tiveram uma consulta ginecológica e mais da metade (55,3%) nunca realizou o exame de Papanicolaou.
“Com a exposição desses dados, podemos dizer que mulheres pretas são mais vulneráveis ao câncer do colo do útero e, portanto, merecem atenção especial, com políticas públicas focadas e específicas”, reforça Carvalho.
Atualmente, está em tramitação no Congresso Nacional do Brasil o Projeto de Lei 2952/2022 ↗. Esse projeto, já enviado para o Senado Federal e aguardando sanção da Presidência da República, propõe a criação da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC) dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).
O especialista reforça: “Não basta apenas aprovar esse plano, é crucial que ele seja realmente colocado em prática. Uma revisão global de 153 PNPCCs em diferentes países mostrou que apenas 6% desses planos têm estratégias e prioridades realistas em relação à gestão, alocação de recursos, monitoramento de resultados e sistemas de informação. Mais importante do que criar leis é garantir que elas sejam implementadas, promovidas e monitoradas”.
HPV e o Câncer do Colo do Útero
O papilomavírus humano (HPV) é um fator essencial para o desenvolvimento do câncer do colo do útero. Existem vários outros fatores que também contribuem para a infecção pelo HPV, como início precoce da atividade sexual, ter múltiplos parceiros, uso prolongado de contraceptivos orais, falta de medidas de higiene, baixo nível socioeconômico, muitos filhos, tabagismo e ser uma mulher negra — preta ou parda.
Segundo o médico, a prevenção primária por meio da vacinação contra o HPV é essencial para diminuir os casos da doença. Ele enfatiza que “a detecção precoce, seja pelo exame de Papanicolau, como é feito no Brasil, ou pelo teste de HPV, prática comum em outros países, é crucial para evitar que a doença chegue a estágios avançados”.
Desde 2014, a vacina preventiva para o HPV é oferecida gratuitamente pelo SUS para pessoas entre 9 e 14 anos. Essa vacina é um pilar fundamental para acelerar a eliminação do câncer do colo do útero como um problema de saúde pública. No entanto, a cobertura vacinal no Brasil está abaixo do recomendado.
Editor na Jornalista Inclusivo e na PCD Dataverso. Consultor em Estratégias Inclusivas e Gestor de Mídias Digitais. Formado em Comunicação Social (2006). Atuou como repórter, assessor de imprensa, executivo de contas e fotógrafo. Ativista dedicado aos direitos da pessoa com deficiência, redator na equipe Dando Flor e na Pachamen Editoria.