"Defendo o trabalho como a maneira mais digna de inclusão"
A CEO da Talento Incluir tem uma trajetória profissional de sucesso, com destaque no empreendedorismo e na vida pessoal, como mulher, mãe, esposa e inspiração para muitas pessoas neste Dia Internacional da Mulher 2021
O ano era 2001, quando a recém-formada em educação física Carolina Ignarra foi atingida por um carro. Ela tinha 21 anos e voltava de um forró, pilotando sua moto. Dias depois, quando acordou no hospital e não sentia as pernas, logo percebeu que estava paraplégica.
Prova disso, é que a Carolina já colaborou com a inserção de mais de 7 mil pessoas com deficiência no mercado de trabalho. O número é resultado da Talento Incluir – consultoria especializada em promover a relação entre profissionais com deficiência e o meio empresarial, idealizada e fundada por ela e sua amiga Juliana Ramalho.
Nos últimos 13 anos, junto dos sócios, seu time de consultoras e toda a equipe ↗ da Talento Incluir, Carolina também também é reconhecida pelos esforços no fortalecimento da cultura de inclusão no mundo corporativo.
Pós-graduada em dinâmicas dos grupos e especialista em neuroaprendizagem, a CEO da Talento Incluir aplica treinamentos de conscientização sobre inclusão socioeconômica das pessoas com deficiência desde 2004, e já desenvolveu programas de inclusão da pessoa com deficiência em mais 300 organizações.
Carolina é palestrante da Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD) e da Gestão & RH. Também é autora dos livros Inclusão – Conceitos, histórias e talentos das pessoas com deficiência e Maria de Rodas – Delícias e desafios na maternidades de mulheres cadeirantes, juntamente com Flávia Cintra e Tatiana Rolim.
Nossa escolhida para homenagear as mulheres neste Dia Internacional da Mulher não se limita a discursos e narrativas de superação. Afinal, sua história é de transformação, tanto na sua carreira profissional como na de muitas outras mulheres com deficiência pelo Brasil e agora na América Latina, em a parceria com a plataforma Incluyeme.com ↗.
Nas próximas linhas, fica claro porque ela está entre as 20 mulheres mais poderosas do Brasil, de acordo com a lista publicada ↗ em março de 2020, pela revista Forbes, e eleita a melhor profissional de Diversidade ↗ do Brasil pela revista Veja, em junho de 2018.
Confira a entrevista:
Como seria um cenário utópico ideal, no sentido da presença, valorização e equidade das mulheres com deficiência no ambiente corporativo?
Não diria utópico, mas acredito que o amadurecimento ideal para a inclusão produtiva da mulher com deficiência no mercado de trabalho é que ela ocorra de forma natural e sem a necessidade de regras ou leis que obriguem o mercado a realizar a equidade como estratégia de negócio. Não basta contratar mulheres com deficiência para comunicar ao mercado que a empresa tem programa de Inclusão e Diversidade. É preciso que se dê a elas as mesmas oportunidades oferecidas aos demais colaboradores. É preciso aprender a reter essas profissionais com planos estruturados de carreira, acessibilidade no ambiente corporativo que lhes permita condições para desenvolver suas tarefas, e mais importante é proporcionar o sentimento de pertencimento.
Como é possível inspirar, conscientizar e valorizar o papel das mulheres com deficiência nas empresas e na sociedade?
Sem dúvida, é acreditar que ter uma carreira profissional que alcance o topo, ou alcance seus objetivos, é possível mesmo que não seja fácil. Para isso, é fundamental estar preparada, deixar de aceitar o mínimo se você estudou, tem experiência e se desenvolveu para fazer e entregar o máximo. Valorizar o papel dessa mulher é garantir a ela as mesmas oportunidades oferecidas as demais pessoas de qualquer outro nível hierárquico, sem distinção. É cada vez mais atuar para que essa mulher esteja representada em todos os entornos da sociedade. É vê-la em altos cargos corporativos, em todos os setores da economia, em todas as profissões que elas quiserem atuar. Para isso, é preciso mais que investimento e força de lei. É preciso disposição, mais convivência e informação. Estimular e praticar ações que melhorem a qualidade de vida da mulher com deficiência como indivíduo, seja no trabalho, seja em qualquer meio, respeitando suas características, suas necessidades e entendendo que jamais a deficiência pode ser maior ou mais importante que o ser humano.
- Leia também: Investimentos em inclusão aumentaram 78% nas empresas | Mercado de Trabalho
Por que ainda é tão difícil fazer a inclusão e a retenção das mulheres com deficiência no mercado de trabalho?
Na maioria dos casos é por falta de informação. A mulher com deficiência reúne dois marcadores sociais. É preciso, cada vez mais, atuar contra o pré-julgamento a respeito da capacidade e habilidades desse profissional. A barreira cultural é um dos principais desafios a ser vencido. As empresas precisam se conscientizar de que o emprego é a uma oportunidade de inclusão e transformação de vida, desde que aconteça de forma produtiva. As pessoas não são as suas deficiências. Uma pessoa que trabalha é um consumidor potencial, é um ser ativo na sociedade. O acesso ao trabalho é um direito de todos. Trabalhar proporciona liberdade, autonomia e a possibilidade de realização de sonhos, que é o que move todas as pessoas. Empresas que possuem práticas inclusivas e que valorizam a diversidade tem chances de encontrar e reter os melhores talentos do mercado e formar as equipes mais criativas. A diversidade e inclusão nas empresas deve ser uma das metas do planejamento estratégico para que os seus benefícios possam ser percebidos e aproveitados por todos.
Por que a interseccionalidade é mais um desafio das empresas para aumentar as oportunidades das mulheres com deficiência e demais marcadores sociais no mercado de trabalho?
As mulheres com deficiência precisam estar representadas na sociedade. Ser mulher com deficiência, negra, lésbica reúne diversos marcadores sociais que nada interferem na vocação e profissionalismo. As oportunidades precisam ser estendidas a todos. Precisamos de mais representatividade na área da saúde, na educação, nas propagandas, nas novelas, na política, nas empresas. As empresas precisam fazer com que essas mulheres possam ir além dos cargos de entrada para todos os níveis hierárquicos. Tem muita profissional pós-graduada, com doutorado, especializada, mas que não consegue avançar na carreira porque a empresa não a percebe como talento e sim com um número para cumprir a lei. Cota não é cargo. Cada vez mais se faz necessário que as empresas estejam prontas para olhar as profissionais com deficiência como seres humanos. São pessoas antes da deficiência e que têm outras características importantes e de relevância para o trabalho que executam e para o crescimento que almejam ter. Vale ressaltar que o crescimento de carreira depende de dois lados, depende da atuação da empresa e da mulher também. Quando a mulher tem deficiência, o comportamento proativo por sua carreira pode não ter sido desenvolvido, pela exclusão que ela passou em seus processos de desenvolvimento anteriores ao trabalho. Quando as empresas entendem que o comportamento das pessoas com deficiência deve ser desenvolvido considerando seu histórico de vida, a tendência é o sucesso dessa mulher, pois além da parte técnica, ela consegue entender o que lhe faltava no sentido comportamental para crescer.
Conheça um pouco mais da Carolina Ignarra:
“Uma história de transformação, inclusão e propósito”
Documentário ‘Paradocs’, pela TV Cultura, produzido pelo Bruno Beraldin @brunoberaldin ↗ e com direção ↗ do Dede Fedrizzi.
*Entrevista continua após o vídeo abaixo:
- Talvez queira ler: Pesquisa: Profissionais de MKT com deficiência | Mercado de Trabalho
Quanto ao capacitismo – desafio das próprias pessoas com deficiência serem incluídas como qualquer outra pessoa, com as suas singularidades, essa realidade é mais constante quando se trata das mulheres com deficiência?
Sim, por conta da interseccionalidade. O pré-julgamento capacitista invalida as atitudes, as habilidades, a vocação simplesmente pelo fato da profissional ser mulher com deficiência, negra etc. Isso porque quem julga está focado na deficiência (ou outro marcador social) erroneamente e não no ser humano.
O capacitismo, na maioria das vezes, é um comportamento velado, e não intencional. Entender que nós, pessoas com deficiência, somos os que mais podemos combater o capacitismo é essencial. Costumo dizer que a pessoa com deficiência é a responsável pela forma natural ou constrangedora que será tratada. Nós podemos informar e dar exemplo para descontruir as crenças limitantes que a sociedade tem sobre nós.
A Talento Incluir conta com mulheres com deficiência como consultoras. Como essa realidade é trabalhada e usada como exemplo nas consultorias prestadas às empresas que procuram a Talento Incluir?
Nossa equipe representa diversos marcadores sociais e esse é um dos nossos principais diferenciais. A gente sabe o que está fazendo, como estamos fazendo e para quem. A Talento Incluir é uma consultoria pioneira no Brasil porque escolhemos desenvolver e fortalecer a cultura de inclusão nos nossos mais de 400 clientes de uma forma personalizada, a partir de uma estratégia baseada em quatro pilares: conscientização e engajamento, contratação, acessibilidade. Desde 2008, já proporcionamos empregos a mais de 7 mil pessoas com deficiência a partir de uma preparação exclusiva e diferenciada.
A Carol e seu time de consultoras está preparando alguma campanha para o Dia da Mulher?
A Talento Incluir nunca para! Sempre usamos a força desse dia para ressaltar os desafios e a importância da mulher com deficiência como profissional, consumidora e, principalmente, como ser humano.