Produção tem príncipe com síndrome de Down e protagonista feminina cadeirante e independente
Advogada e escritora carioca transforma seu livro infantil “A Conselheira do Rei” em contação de história animada com narrativa inclusiva protagonizada por pessoas com deficiência
“A Conselheira do Rei”, projeto multiartístico baseado no livro homônimo de Isabele Bonzoumet, publicado em 2017, foi contemplado pela Lei Aldir Blanc (Lei Nº 14.017/2020 ↗) e adaptado para o formato digital, como contação de história animada. Recém-lançada de forma virtual, a produção traz como diferencial uma narrativa inclusiva: Um príncipe que tem síndrome de Down e uma protagonista feminina forte, cadeirante e independente.
O projeto, publicado no canal do YouTube, revela atividades nos campos da literatura, artes plásticas, música e artes cênicas. Nessa contação de história, Pedro Ivo Maia – diretor artístico que também assina a adaptação do texto original – interpreta a história de “A Conselheira do Rei”, interagindo com elementos de animação criados por Leandro Ferra (Quadro-chave Produções Livre), com ilustrações de Leonardo Scarparo (Oficina de Desenho).
Saindo do mundo físico literário para o virtual, a produção conta também com o clipe da canção Lá e Cá, tema da contação animada. Com música e letra do Pedro Ivo Maia, a canção, que também está disponibilizada na internet, conta com a voz da cantora Ana Moura.
O projeto com patrocínio da Prefeitura do Rio e Governo Federal, resultou ainda em vídeos de duas oficinas. Uma de produção de flores de papel crepom e palitos, e outra em que o ilustrador do livro mostra como fazer os traços básicos da personagem principal, Gisela. “Os quatro vídeos foram gravados no auditório do Colégio Santa Mônica do Cachambi, nosso apoiador”, completa a autora.
O livro “A Conselheira do Rei”
Escrito por Isabele Bonzoumet, o livro “A Conselheira do Rei” foi publicado de forma independente, na Bienal do Livro do Rio de Janeiro. “Basicamente a história foi escrita no meu quarto, e aperfeiçoada durante aulas de direito, que eu estudava na época”, conta Isabele, que também advogava e dava aula sobre os Direitos da pessoa com deficiência, em cursos preparatórios para concurso público.
O livro conta a história de um príncipe inseguro para tomar seu lugar como rei após a morte dos pais. Ele seguir o conselho de uma senhora que o aborda na floresta e resolve lançar um desafio entre os nobres do Reino para escolher ‘um conselheiro real’. O desafio, aparentemente, era simples: eles deveriam escrever os mais belos versos já lidos, com as penas que lhes foram entregues.
No enredo, o Duque de La Marche, um dos mais importantes homens locais, recebe uma das penas e ordena que sua criada, Gisela, escreva, em segredo, os versos no lugar dele. Os dois não poderiam imaginar, contudo, que a entrega dos versos escritos para o Príncipe mudaria o destino deles e de todo o Reino.
“É a história de como Gisela, criada de um importante nobre que mais parece um barril de bigodes, chegou à corte real apenas por sua sincera honestidade”
A ideia de adaptar o livro físico, tanto no formato quanto na história e personagens, foi algo natural da própria vivência da escritora. “Sempre tive muito interesse pelo tema da inclusão, por ter um primo bem próximo que tem síndrome de Down, além de ter acompanhado durante anos e anos o dia a dia da família da minha melhor amiga de infância, cujo irmão é autista”, revela.
O início da história
Para a publicação do livro, Isabele encontrou o primeiro membro do que, quatro anos depois, viria ser a equipe dessa contação animada, como projeto premiado pela Lei Aldir Blanc. “Foi o ilustrador Leonardo Scarparo. Peguei indicação de colegas e conversei com os profissionais sobre o livro que eu queria montar. Como a parte visual de um livro infantil é bem importante, eu queria que fosse feito por um ilustrador que eu tivesse acesso. Fizemos as ilustrações todas juntos, a partir do meu texto, que já estava aprovado pela editora”, revela a autora.
Isabele conta que no lançamento da obra, há 4 anos, percebeu como as crianças tinham gostado de interagir e ouvir a história. “Na ocasião, eu mesma contei a história, coisa amadora. Levei alguns elementos lúdicos que comprei sozinha e, como deu certo, a editora (dona do espaço na Bienal) me chamou para voltar outro dia”, diz Isabele. “Eu e minha família saímos convidando as pessoas para irem no stand da editora, entregando um marcador de texto do livro e chamando (risos)”, completa a advogada e escritora, que também trabalha com projetos culturais.
Pensando em como poderia divulgar seu livro, Isabele teve a ideia de montar uma contação de histórias. E pela convivência com pessoas com deficiência nos cursos preparatórios, seu primo com trissomia do 21, e o irmão de melhor amiga de infância com TEA (Transtorno do Espectro Autista), a inclusão dessas pessoas seria algo natural.
“Para fazer a contação, ainda em 2017, mais uma vez pedi indicação de amigos e conheci o Pedro Ivo Maia, hoje diretor artístico do projeto. Montamos a contação de histórias, que foi apresentada em algumas escolas públicas e espaços que faziam parceria com a gente. Comecei, então, a pensar em algumas atividades para agregar na contação, como oficina de desenho, um jogo de memórias gigante e outros”, relembra a autora.
Com o projeto pronto, Isabele conta que passou a entrar em contato com produtores culturais. “Mas eu não tinha mais dinheiro pra pagar ninguém pra trabalhar para mim e nem para montar o evento nos moldes que eles propuseram, além de termos recebido alguns ‘nãos’ de muitos espaços. Então, a coisa acabou esfriando”, lamenta.
A virada pela inclusão
“Quando foi ano passado (2020), uma das produtoras com quem eu tinha conversado anos antes me ligou falando da Aldir Blanc e perguntando se eu não queria montar um projeto, em 48h… (risos). Claro que eu queria. Fui, montei algo muito parecido com o que já tinha tentado antes, só que para uma versão digital por conta da pandemia – e liguei para o Pedro e para o Leonardo, perguntando se eles estariam dentro”, diz. “Pouco depois, fomos noticiados sobre termos sido selecionados. Nem acreditei!”, comemora.
Isabele explicou ao diretor artístico o desejo de realizar um projeto inclusivo, principalmente no quesito representatividade. “Queria pessoas com deficiência participando da contação junto com ele. Coincidentemente, ele me disse que estava trabalhando para a prefeitura, como professor de teatro para pessoas com deficiência (PcDs) em reabilitação”, informa.
Infelizmente, por canta da pandemia da COVID-19, tiveram desistir de chamar as PcDs de forma presencial. “Tínhamos a intenção de fazer um material audiovisual bastante adaptado, mas em função do curto prazo de 90 dias que tínhamos para finalizar o projeto, não conseguimos incluir, por exemplo, tradução em libras”, lamenta.
Decidida a fazer uma contação de história animada, já com uma equipe inteira formada para as gravações, edição e animação, Isabele decidiu transformar os protagonistas em pessoas com deficiência. O príncipe foi inspirado em uma pessoa Down e a protagonista Gisela, em uma cadeirante. “Fiquei muito certa de que esse era o caminho correto quando procurei no YouTube contações de histórias com personagens com deficiência e não encontrei nenhuma!”, conta surpresa.
“Fizemos pequenas adaptações para que a história funcionasse de maneira respeitosa e significativa. Então, por exemplo, a ponte que separa o Reino em dois lados, no final, torna-se horizontal, não mais uma ponte em forma de arco. Foi um detalhe incluído na animação que poucas pessoas vão perceber, mas que, para nós, faz toda a diferença por simbolizar a diminuição de uma das barreiras que pessoas com deficiência enfrentam no dia a dia, e queríamos algo assim no nosso final feliz”, conta a autora, orgulhosa com o resultado.
A ideia era trazer um conto de fadas no qual pessoas com deficiência pudessem se ver representados, mesmo que apenas para cadeirantes e pessoas com T21. “É um absurdo como os desenhos infantis não trazem PcDs, o que com certeza contribui para o isolamento social dessas pessoas. Acredito que a representação em conteúdo infantil é importante pois nosso imaginário ajuda a formar a percepção que temos do meio social em que vivemos. Como uma criança cadeirante vai acreditar que é uma princesa – e que merece e pode tudo o que uma personagem assim é capaz – se não existem princesas em cadeiras de rodas?”, questiona.
“A identificação da criança com os personagens é necessária!”
“E foi ótimo, meu primo, assim que viu o conto, ficou um tempão falando que era ele na televisão e me mandou essa linda foto”, finaliza Isabele, advogada no Rio de Janeiro, prestes a completar 28 anos, e mãe solteira da pequena Cecília, de um ano e meio.
A Conselheira do Rei - Contação Animada
Ficha Técnica:
- Idealização: Isabele Bonzoumet
- Direção Geral: Isabele Bonzoumet
- Direção Artística: Pedro Ivo Maia
- Texto: Isabele Bonzoumet
- Adaptação de Texto: Pedro Ivo Maia
- Animação e Ilustração: Leandro Ferra
- Produção Executiva: Simone Mendes
- Gestão Cultura: Gisele Lopes
- Edição: Leandro Ferra e Pedro Ivo Maia
- Coordenação Audiovisual: Juliana Osmondes
- Operação de Câmera e Logger: Guinevere Gaspari
- Trilha Sonora: Pedro Ivo Maia
- Voz na Música: Ana Moura
- Oficina de Desenho: Leonardo Scarparo
- Animação e Ilustração: Leandro Ferra
Links úteis: A Conselheira do Rei
- Instagram: www.instagram.com/aconselheiradorei ↗
- Facebook: www.facebook.com/conselheira.historia.animada ↗
- YouTube: A Conselheira do Rei ↗
- Clipe Musical: Lá e Cá – A Conselheira Do rei ↗
Editor na Jornalista Inclusivo e na PCD Dataverso. Consultor em Estratégias Inclusivas e Gestor de Mídias Digitais. Formado em Comunicação Social (2006). Atuou como repórter, assessor de imprensa, executivo de contas e fotógrafo. Ativista dedicado aos direitos da pessoa com deficiência, redator na equipe Dando Flor e na Pachamen Editoria.
Ooohhh maravilha. É um privilégio, de verdade. Queria muito que vocês tivessem tido mais tempo para acessibilizar o conteúdo, com Libras, legendagem e audiodescrição. O trabalho ficou lindão. Parabéns!
Que reportagem linda cara !! parabéns !! pelo texto tá muito legal