Acessibilidade e Câncer de Mama: O que mulheres com deficiência falam sobre o Outubro Rosa?

Arte de Outubro Rosa com foto de Vanessa Cornélio, mulher cadeirante, laço rosa da campanha e o texto: Acessibilidade e câncer de mama? Informação salva vidas.
Descrição da imagem #PraCegoVer: Arte com plano de fundo cor-de-rosa, fotografia de mulher cadeirante e sobreposição de texto. No canto esquerdo superior está escrito: “Outubro Rosa 2022”. No cento da imagem está o texto: “Câncer de mama e acessibilidade?”. Na lateral esquerda está a Vanessa Cornélio, mulher branca com cabelos ondulados grisalhos, acima dos ombros. Ela está de lado, sentada na cadeira de rodas e segurando a perna direita para o alto. Na lateral direita está o laço rosa, símbolo da campanha de prevenção. No canto direito inferior está escrito: “Informação salva vidas!”. (Imagem: Edição de arte. Foto: Acervo pessoal)

“Mamógrafo inacessível e atendimento capacitista”. Salvo exceções, esse é o relato das mulheres cadeirantes, com nanismo e deficiência visual que entrevistamos no mês da prevenção

Informações salva vidas. Essa é a principal mensagem do Outubro Rosa, que busca conscientizar sobre a importância dos exames preventivos do câncer de mama, assim que se apresentam os sinais em sua fase inicial. Promovendo maior acesso aos serviços de rastreamento e tratamento do câncer, as campanhas de prevenção no Brasil focam em estratégias de diagnóstico precoce para redução dos danos da enfermidade. Recentemente, o câncer do colo do útero também passou a fazer parte da campanha.

Neste artigo

Boa leitura!

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Diretrizes para diagnóstico e detecção precoce

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA) e as Diretrizes para detecção precoce do câncer de mama no Brasil , a mamografia é o método mais eficaz para identificar a doença em seu estágio inicial, contribuindo na redução de agravamento e do índice de mortalidade. O exame é um raio-x da mama, facilitando a descoberta do câncer quando o tumor ainda é bem pequeno. Para o câncer de colo de útero, é o papanicolau o exame preventivo incentivado pelas campanhas.

Para garantir que estas campanhas e ações preventivas sejam eficazes, é necessário atingir toda a população. Mas somente as campanhas não atendem grande parte das mulheres com deficiência, que apontam a falta de acessibilidade e de atendimento humanizado como os principais obstáculos.

Acessibilidade e câncer de mama

Nossa equipe conversou com mulheres de diferentes regiões do Brasil e com o coletivo Frente Nacional das Mulheres com Deficiência (FNMD) , que traz aqui alguns relatos sobre as condições que enfrentam para realizarem a mamografia e o papanicolau.

Um dos relatos é da Joseana Lemos, que tem paralisa cerebral e vive em São Luís/MA. Ela fez a sua primeira mamografia em 2021, quando completou 40 anos e relata: “Minha experiência não foi boa”.

“O mamógrafo não atende a minha necessidade. Tenho tremores involuntários devido a paralisia. Aí, na hora de fazer o exame nesse equipamento, pedem pra ficar parada e sem se mexer. Mas eu não tenho como não mexer”, conta. “Quando relatei que ele (o equipamento) não era acessível, a profissional não gostou. Disse que eu tinha que dar um jeito e me adaptar porque era o único equipamento”.

Joseane lamenta a consequência dessa atitude capacitista da profissional de saúde, já que mesmo sendo necessário “refazer o exame”, ainda assim teve um resultado insatisfatório. 

“Fiquei preocupada porque eu já tinha um nódulo. Me esforcei pra não me mexer, mas não consegui. Daí a imagem não ficou visível”, lamenta. “É como se a culpa fosse nossa, por ter uma deficiência e estar naquele local. Parece que não era pra eu estar ali fazendo o exame. Parece que não era o meu direito, né?”

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Mamografia e papanicolau para cadeirantes

De Salvador/BA, a fundadora e coordenadora da FNMD Rosana Lago, 51 anos, explica que é necessário dar visibilidade às dificuldades de quem depende do Sistema Único de Saúde (SUS).

“Sabemos que a deficiência é intimamente ligada a pobreza. A maioria dessas mulheres não tem condições de pagar um plano e aí vai buscar um posto de saúde da comunidade ou hospital do SUS, para fazer a mamografia e o Papanicolau – que são de extrema importância para todas nós. Mas elas enfrentam tanto a falta de acessibilidade nos locais, como também a dos aparelhos serem acessíveis para o procedimento dos exames. E muitas vezes até desistem de fazer”.

Para Rosana, ativista dos Direitos das Pessoas com Deficiência e dos Direitos Humanos, só uma forma de mudar. “Nós estamos vendo que não existe uma política única de saúde, uma política ampliada para que essas mulheres sejam atendidas no Sistema Único de Saúde”, aponta. “Então, o que falta agora é ampliar essa política do SUS, para a atenção à saúde das mulheres com deficiência, que somos muitas no Brasil”.

E a Frente Nacional das Mulheres com Deficiência tem a responsabilidade de chamar a atenção para um tema tão importante, que é a prevenção. Porque não adianta fazer campanha de Outubro Rosa falando para fazer exames, se essas mulheres são excluídas devido a falta de acessibilidade”, completa Rosana.

Outra integrante da FNMD, a jornalista tetraplégica Lucília Machado reforça que não basta ter acessibilidade arquitetônica. “O equipamento tem que ser adaptado. Fazer mamografia já é constrangedor para qualquer um. Para nós, mulheres com deficiência, é pior ainda. É uma operação sinistra”, conta a jornalista de 62 anos, que apresenta o podcast Acessando Lucília . De Niterói/RJ, ela usa cadeira de rodas motorizada, que é mais alta em relação às outras cadeiras. “Uma mulher com uma cadeira manual é quase impossível conseguir fazer a mamografia”, revela.

Acessibilidade para todas as mulheres

Comunicadora, artista e produtora cultural de 45 anos, Vanessa Cornélio usa cadeira de rodas há cerca de três décadas, mas afirma que o maior desafio é fazer a mamografia.

“Toda mulher sabe o quanto dói. E no caso da cadeirante dói ainda mais pela dificuldade de se aproximar do aparelho. Nem toda cadeirante tem condições de equilíbrio, então a distância do mamógrafo acaba puxando ainda mais a mama. É definitivamente desconfortável, muito além do esperado”, se queixa.

O teste de papanicolau para detectar o câncer do colo do útero é outro exame complicado para mulheres cadeirantes. “A maca é sempre alta e requer auxílio para transferir da cadeira. Não seria necessário se fosse acessível. Assim como os suportes para pernas, que também são inadequados para nós cadeirantes”, detalha.

Diante os obstáculos no cuidado da saúde da mulher, Vanessa defende que todos os corpos devem ser considerados. “Dificuldades sim, humilhações, inclusive aquelas onde a pessoa não percebe que está sendo ofensiva. Mas sei que outras mulheres também encontram impedimentos. Deveriam existir adequações específicas para mulheres gordas, por exemplo, que conheço através de relatos o quanto são desestimuladas e agredidas por essas estruturas”, conta.

O que diz a lei?

Em 2008 foi criada a Lei Nº 11.664 , que assegura a realização de mamografia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para pacientes a partir dos 40 anos. A lei garante o direito para toda e todo paciente realizar o exame mamográfico de rastreamento, ou seja, na pessoa sem queixas e sem história familiar de câncer.

Para realizar a mamografia é preciso ficar em pé, posicionar o seio entre as duas placas do mamógrafo, manter-se imóvel e segurar a respiração por muitos minutos. O que não é possível no caso de mulheres cadeirantes, com paralisia ou nanismo, por exemplo.

Para atender estas necessidades foi sancionada a Lei Nº 13.362/2016 , que deveria garantir “condições e equipamentos adequados para atender toda mulher com deficiência” na prevenção do câncer de mama e do colo de útero. Mas isso não acontece.

Acessibilidade para pessoas de baixa estatura

Em conversa com o movimento Nanismo Brasil, conhecemos o caso da atriz e jornalista Mila Poci Cabral, de 53 anos, e sua irmã Adriana, de 56. Elas têm pseudoacondroplasia – uma forma de nanismo – e realizam os exames juntas, mas dizem que é sempre na base do improviso.

“A gente tem que subir numa cadeira para ter onde segurar e não cair. É bem difícil. Então a gente fica numa tensão mesmo. Mas dá certo”, diz ela, que também fala sobre o atendimento. “Eu faço pelo meu plano de saúde, o que já é um conforto. Mas é muito importante o preparo da pessoa que vai ajudar a fazer o exame e da enfermeira que vai te orientar”, completa Mila.

Apesar das exceções e de quem tem plano particular de saúde, os relatos de pessoas com nanismo têm duas questões em comum: equipamentos sem acessibilidade e despreparo de profissionais.

É o caso da Vivian M. Amorim. Ela que diz “a realização (da mamografia) poderia melhorar em alguns pontos. O tamanho da máquina não é adequado para nós, levei um tempo para conseguir me posicionar adequadamente e realizar o exame”, comenta.

Vivian também expõe as dificuldades do atendimento: 

“A pessoa responsável (pelo atendimento) nunca teve uma experiência ou orientação sobre o procedimento com pessoas com nanismo, dificultando a realização do exame. Acredito que, se os órgãos responsáveis trabalharem para capacitar os profissionais da área para realização e inclusão, todas as pessoas com nanismo ou qualquer outra deficiência poderão ter uma experiência melhor na hora dos exames e procedimentos médicos”, diz Vivian.

Arte de Outubro Rosa com foto de Ariete Angotti, mulher com nanismo, laço rosa da campanha e o texto, prevenção do câncer de mama – mamografia acessível? Acessibilidade e câncer de mama.
Descrição da imagem #PraCegoVer: Arte com plano de fundo cor-de-rosa, fotografia de mulher com nanismo e sobreposição de texto. No canto esquerdo superior está escrito: “Outubro Rosa 2022”. Na lateral direita da imagem está o texto: “Prevenção do câncer de mama. Mamografia acessível?”. Na lateral esquerda está a foto da Ariete Angotti, mulher branca com cabelos escuros na altura dos ombros. Ela está sentada de frente, com a mão direita no queixo. (Imagem: Edição de arte. Foto: Acervo pessoal)

Já a assessora de marketing Ariete Angotti, de 43 anos, que nasceu com nanismo (acondroplasia), defende que todos precisam contribuir e cobrar por mais inclusão. “É de extrema importância relatarmos as dificuldades que encontramos no dia a dia. E no Outubro Rosa, eu defendo que toda mulher com deficiência faça a mamografia, apesar de ser quase impossível”, conta.

Paulista, Ariete diz que sua condição de “acondroplásica” fez com que ela aprendesse a driblar situações para se adaptar ao mundo feito para gente grande, mas também critica a falta de acessibilidade. “Como realizar o exame? Infelizmente, os laboratórios não estão preparados para a devida realização, a adequação é parte essencial”, diz ela.

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Tirando a venda da mulher cega

Cris Mello, ativista da Linha Braille Acessível , tem deficiência visual e 48 anos de idade. Ela faz a mamografia e o papanicolau anualmente, mas preferiu optar pelo convênio médico e sempre acompanhada. 

“Procuro levar alguém da minha confiança e, quando me deparo com falta de informação, eu explico os procedimentos e atitudes que acho mais adequados. Tudo tem sido resolvido a contento”, reconhece. Para acessar os resultados, ela pede para o laboratório imprimir os exames. “Ou então eu envio o login e a senha para minha ginecologista, numa foto que peço para minha irmã tirar”, completa.

Arte de Outubro Rosa com foto de Vanessa Bruna, mulher com deficiência visual, três rosas e o texto: Mês de prevenção ao câncer de mama. Informação salva vidas.
Descrição da imagem #PraCegoVer: Arte com plano de fundo cor-de-rosa claro, fotografia de mulher com deficiência visual e sobreposição de texto. No topo, à esquerda, está escrito: “Outubro Rosa 2022”. À direita está a frase: “Informação salva vidas!”. Na lateral esquerda da imagem está escrito: “Mês de prevenção ao câncer de mama”. No centro está a Vanessa Bruna, mulher negra com cabelos crespos, segurando a bengala, com a mão atrás da cabeça e usa óculos escuros. Sobre sua foto há três rosas e na lateral direita está escrito: “Outubro Rosa”. (Imagem: Edição de arte. Foto: Acervo pessoal)

Já a Vanessa Bruna da Silva Santos, do canal Cego em Ação , acredita no poder do conhecimento. 

“Toda informação que temos hoje, eu acredito que facilita um pouco o entendimento para a mulher cega aprender a se tocar e entender bem o seu corpo, independentemente de qualquer tabu”, defende ela, do Rio de Janeiro.

Vanessa fez a primeira mamografia em 2020 e diz que a informação tem que chegar a todas. “Sou uma mulher cega, de 42 anos, muito preocupada com a saúde e com o bem-estar. É importante falar em prevenção para mulheres cegas idosas, que muitas delas vivem em institutos e ambientes de pessoas com deficiência visual”, diz a gestora de recurso de acessibilidade para produções culturais, que se tornou uma pessoa com deficiência aos 34 anos. “Primeiro como uma cega legal, quando a pessoa tem presença de luz e vulto, e depois cega total”, encerra.

Embasamento prático e teórico

Estudando encontramos um artigo da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), publicado em 2019 , evidenciando exatamente essas barreiras de acesso aos serviços de saúde: escolaridade, renda, nível de incapacidade, estado civil, acesso ao sistema de saúde privado, idade, ter um cuidador, a falta de adaptação dos serviços para pessoas com deficiência e a falta de conhecimento dos profissionais e das próprias mulheres.

A consequência das barreiras impostas a população feminina com deficiência, seja física, intelectual ou sensorial, é uma menor probabilidade de realizar exames de prevenção. “As mulheres com deficiência são menos propensas a comporem os programas de rastreamento do câncer de mama e colo do útero, mesmo entre países desenvolvidos”, concluiu o artigo.

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Os cânceres de mama e colo uterino

Não à toa, a taxa de mortalidade por câncer mamário no Brasil, em relação a população mundial, foi de 11,84 óbitos a cada 100.000 mulheres, em 2020, com as maiores taxas na região Sudeste (12,64) e Sul (12,79), segundo o INCA.

Para 2022, a estimativa é de 66.280 casos novos – representando uma taxa de incidência de 43,74 casos por 100 mil mulheres.

Na mortalidade proporcional por câncer em mulheres, entre 2016 e 2020, os óbitos por câncer de mama ocupam o primeiro lugar no País, representando 16,3% do total.

Esse padrão é semelhante para as regiões brasileiras, com exceção da região Norte, onde os óbitos por câncer de mama ocupam o segundo lugar (13,6%). Os maiores percentuais foram os do Sudeste (17,2%) e Centro-Oeste (16,8%), seguidos pelo Nordeste (15,6%) e Sul (15,5%) (INCA, 2022).

Quanto ao câncer de colo do útero no Brasil, a taxa de mortalidade ajustada pela população mundial, foi de 4,60 óbitos para cada 100 mil mulheres, em 2020, segundo INCA. Na série histórica das taxas de mortalidade do País e regiões, a região “Norte tem as maiores taxas, com nítida tendência temporal de crescimento entre 2000 e 2017”.

Na mortalidade proporcional por câncer em mulheres, em 2020, os óbitos por câncer do colo do útero ocupam o terceiro lugar no país, representando 6,1% do total. Esse padrão é semelhante para as regiões Centro-Oeste e Nordeste onde também ocupa a terceira posição, com 7,6% e 8,2% dos óbitos respectivamente. Os menores percentuais são os do Sudeste (4,3%) e Sul (4,8%), ocupando respectivamente a sétima e a sexta posição. Na região Norte, os óbitos por câncer do colo do útero ocupam a primeira posição, com 15,7% das mortes por câncer em mulheres (INCA, 2021).

Todas estas informações, ainda que possam ser aperfeiçoadas, dão pistas dos caminhos a ser trilhado por estas mulheres capazes de cuidar de sua própria Saúde, desde que tenham condições básicas para exercer seu protagonismo.

Jornalista Inclusivo
Jornalista Inclusivo

Da Equipe de Redação

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