Especialista em Fisioterapia Neurofuncional, Carol Nunes explica como funciona e para o que serve a CIF – Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, criada pela OMS
Você, em algum momento, já se perguntou como é feita a classificação sobre saúde no mundo? Sobre como os profissionais da saúde avaliam sua condição de saúde ou falta dela e se baseiam nisso para oferecer caminhos para melhorar sua qualidade de vida? Ou se perguntou o que tem sido considerado relevante para se determinar condições de saúde? Muitos questionamentos sobre a dimensão da saúde podem ser explicados através da CIF.
Você conhece a CIF?
A CIF é uma sigla para Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, criada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ↗. É um modelo para organização e documentação de informações sobre funcionalidade e incapacidade (OMS 2001). E tem por objetivo geral proporcionar uma linguagem unificada e padronizada como um sistema de descrição da saúde e dos estados relacionados à saúde.
É um instrumento que classifica “domínios” da saúde e “domínios” relacionados à saúde, nos ajudando a descrever mudanças na função e na estrutura corporal, seu nível de capacidade (o que uma pessoa pode fazer em um ambiente padronizado), assim como o seu desempenho (o que ela realmente faz no seu ambiente de vida real). Estes domínios são classificados a partir de perspectivas individuais e sociais, e estão organizados em listas:
- Uma lista de funções e estruturas corporais;
- Uma lista de atividades e participação;
- Uma lista de fatores ambientais.
Ela conceitualiza a funcionalidade como uma ‘interação dinâmica’ entre condição de saúde de uma pessoa, os fatores ambientais e os fatores pessoais.
Gostaria de fazer um breve comentário, para nos situarmos melhor no contexto deste artigo. Quando usamos o termo funcionalidade nos referimos a todas as funções corporais, atividades e participação. Enquanto incapacidade é um termo abrangente para deficiências, limitações de atividades ou restrições de participação.
A CIF oferece uma abordagem biopsicossocial, baseada no modelo multidimensional. Suas categorias são elaboradas em linguagem neutra, para que possamos registrar tanto os aspectos positivos quanto os negativos da funcionalidade. Sua linguagem é padronizada e possui uma base conceitual para definição e mensuração da incapacidade, oferecendo classificações e códigos. E também muito interessante é que ela reconhece a importância dos fatores ambientais na criação da incapacidade, não apenas as condições de saúde.
A CIF reconhece que todo ser humano pode experimentar uma perda ou diminuição na sua saúde e, portanto, experimentar alguma incapacidade. É uma experiência humana universal. Quando mudamos o foco da causa para o impacto, colocamos todas as condições de saúde em pé de igualdade, permitindo que sejam comparadas, usando uma medida comum a todos.
E o que muda quando nós profissionais da saúde nos baseamos na CIF ao desenvolver um tratamento ao nosso paciente?
Quando pensamos em analisar nosso indivíduo ‘multidimensionalmente’ e não linearmente, nós assumimos que nosso indivíduo é complexo e recebe múltiplas interferências em diferentes aspectos. Assumimos que os aspectos observados possuem “mão dupla”.
Nem sempre a CIF foi assim. Ela já teve sua versão inicial linear, onde a intervenção terminava na limitação do indivíduo. Ou seja, sua incapacidade o limitava. Ou eu modificava meu indivíduo para que ele fosse capaz, ou eu assumia sua incapacidade de participar. E isso não era nada legal.
Com o passar dos anos, os profissionais da OMS envolvidos na organização dessa classificação se mostraram descontentes com esse “final” da história. E buscaram um modo de olhar para o indivíduo além da sua deficiência. E um modo de analisar todo o contexto em que ele está inserido.
Essa reformulação da CIF foi um divisor de águas na vida dos profissionais e das pessoas inseridas nesse contexto. Foi a partir dessa nova visão do indivíduo que deixamos de focar na incapacidade, no que a pessoa não faz, e passamos a valorizar o que ela é capaz de fazer. Passamos a considerar sua capacidade funcional o principal, e passamos a lutar para que isso se torne a realidade em sua vida.
Paramos de querer modificar corpos e “consertar” pessoas, e passamos a querer modificar locais, ambientes e a sociedade. Passamos a lutar pela acessibilidade física e pessoal para cada indivíduo e combater o capacitismo enraizado na sociedade em que está inserido.
A nova CIF deixou de olhar para as pessoas com deficiência como corpos limitados e nos deu a oportunidade de modificar o contexto e construir novas narrativas, sem limites e sem barreiras.
Formada em Fisioterapia pela Unesp, Ana Carolina Navarro Nunes tem especialização Neurofuncional com enfoque Neuropediatrico. É coordenadora do setor Neurofuncional da clínica Fisiocenter, em Itu (SP), onde também atende como Fisioterapeuta. Aqui no site Jornalista Inclusivo ela é responsável pelo espaço "Sem Filtro & Com Afeto".
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