Dia das Crianças 2021: “Por que? Sobre a criança que existe em você”

Quatro crianças sorrindo. Três estão em pé e uma é cadeirante, no Dia das Crianças 2021.
Descrição da imagem #PraCegoVer: Foto com sobreposição de frase, na parte inferior. Texto: Feliz Dia das Crianças 2021. Quatro crianças sorriem. À esquerda, menino de pele branca e cabelos castanhos claros, em pé, com um livro na mão direita. Ao lado, menina de pele negra e cabelos pretos longos, com trancinhas. Na sequência, garoto pardo com cabelos pretos segurando um caderno. À frente deles, uma criança branca de cabelos loiros longos está sentada em cadeira de rodas. (Imagem: Edição de arte. Foto: AdobeStock)

Gestora de Soluções Inclusivas, Daniela Rorato aproveita a data para falar sobre ‘barreira atitudinal’

Há 25 anos eu saí da sala de aula na faculdade de jornalismo para chorar escondido. Estávamos discutindo as linguagens da publicidade e o estudo era sobre a campanha dos “bichinhos Parmalat” (só vai lembrar quem é ‘vintage’). Quando sugeri que a referida campanha, e nenhuma outra mostrava crianças com deficiência, um colega de sala bradou:

“Se colocar um mongolzinho babando leite na tevê ninguém vai comprar Parlmalat”. 

Mal sabia ele, uma pessoa negra e obesa (pasme!) que meu filho com trissomia do 21 (antigamente chamado de Síndrome de Down) estava em casa, então com seis meses de idade.

Eu queria dizer para meu colega:

Mas você é negro! Que inclusão seletiva é essa pela qual você luta?”, mas nem tive forças. Era uma época em que tínhamos que ter forças para conquistar tudo. As crianças ainda eram negadas nas escolas e condenadas a serem institucionalizadas ou a frequentar escola especial e sofríamos preconceito na rua o tempo todo.

Certa vez, minha mãe foi ao shopping e empurrava o carrinho do neto, quando veio uma mulher e disse a ela em tom de censura: “Isso que dá ter filho depois dos 40 anos”.

Chorei com minha mãe, dessa vez. Ela sempre me falava em tom de brincadeira sobre o nosso “olhar mágico”, que enxergava além das limitações e achávamos nosso Guto lindo. Um olhar de amor incondicional e incansável, inabalável. Era este o olhar que víamos em tantas famílias de outras crianças com deficiência. O olhar que respeita verdadeiramente a diversidade. Assim por anos fomos uma família de ativistas e transformadores sociais, espalhando nosso olhar por aí.

Nestes 25 anos fui uma observadora da inclusão social, da sociedade, legislação e também da publicidade. Além de combater todos os discursos humanos que pudessem excluir. Como consultora da área, me autodenomino ‘Gestora de Soluções Inclusivas’. Inclusive é um cargo que eu criei para me apresentar como empreendedora social aos meus clientes, quando me chamam para criar um projeto inclusivo.  Ao ver hoje essa propaganda do Bradesco, senti uma felicidade tão intima e um grito lá dentro: “Finalmente!”.

“A maior barreira não é a arquitetônica ou comunicacional. É a barreira atitudinal. Só a atitude amorosa e empática derruba essa barreira e constrói um mundo melhor”

Quem lutou pela inclusão na escola, por respeito, contra o capacitismo, pare um minuto para assistir a essa propaganda tão assertiva e ver o reflexo da diversidade através dessas crianças. Óbvio que existem camadas aí: o modismo do politicamente correto que a cada vez ganha adesão da publicidade, a legislação e o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR ), que obrigam a presença de Pessoas com Deficiências (antes só obrigavam pessoas negras). Mas sim, é um avanço pois a linguagem está incrível: as crianças estão integradas e não precisam ser objetos de superação ou assistencialismo. São protagonistas de si mesmas. E nisso consiste a diversidade: dar a chance de pessoas serem únicas. Sete bilhões de diferentes no mundo.

Feliz Dia da Crianças para o erê que existe em você.  Com apenas uma pergunta: Por que? Por que demorou tanto?

Picture of Daniela Rorato
Daniela Rorato

Mãe do Guto, empreendedora social e gestora da Soluções Inclusivas (@sejainclusive ). Ativista em defesa dos direitos das pessoas com deficiência (PcDs), especializada em políticas públicas para PcDs, ex-assessora da Frente Parlamentar em Defesa das PcDs de Pernambuco. Foi Vice-Presidente fundadora da ONG AMAR, com prêmios como a Medalha do Mérito Heroínas do Tejucupapo e o Prêmio Tacaruna Mulher. Criou o projeto “mãelitante” para ajudar e unir mães de crianças com deficiência através da sororidade.

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