“Roberto Carlos é uma pessoa com deficiência, mas ele nunca falou sobre isso”
Em seu novo artigo para o JI, a ‘mãelitante’ Dani Rorato vai além da homenagem pelo aniversário de 80 anos do Rei: “Todos Estão Surdos” e você tá de calça, Roberto
Hoje é aniversário de Roberto Carlos, um ídolo que compartilho pela vida afora com a minha mãe. A memória da infância vem com as capas de vinis onde aquele cara cabeludo, tinha um lenço amarrado no pescoço e um cachimbo na boca, numa pose de galã blasé, misturada com o som de muitas canções do Rei em todos os momentos alegres e até tristes.
Aos nove anos ganhei um violão do meu pai e a primeira música que aprendi a tocar foi Ternura, do Rei. Eu e minha única irmã – que também faz aniversário hoje, 19 de abril – crescemos vendo meu pai presentear a minha mãe com os discos de Roberto Carlos ↗, o que logo virou uma tradição: foi o primeiro presente de namoro e cada ano, era lançado um novo disco e papai não furava. Trinta anos depois havia comprado todos os LPs e CDs, que foram a trilha sonora de uma vida juntos. Até vir aquelas músicas que nem rasgavam tanto o coração, falando de forma pitoresca da mulher de óculos, gordinha ou baixinha. Aí eu acho que papai passou a colocar no MP3. Já nem parecia mais ou mesmo compositor daquelas letras apaixonadas e sensuais das canções antigas, que embalaram muitas paixões. A gente até se espantava com as músicas novas, mas cada um pensava sobre isso em silêncio, afinal, Rei é Rei.
Como não se impactar com Detalhes, Se você Pretende ou Nas Curvas da Estrada de Santos? Fera Ferida, O Côncavo e o Convexo ou Falando Sério, só pra citar as minhas preferidas…
Aproveito o dia deste ícone para puxar assunto sobre a pauta da minha vida, sobre a qual eu me debruço a debater e, às vezes, a escrever sobre, como agora, na intenção de desbravar um novo e mais inclusivo mundo. Roberto Carlos é uma pessoa com deficiência, mas, como um tabu, ele nunca falou sobre isso. Perdeu a perna ainda criança, num acidente e sempre escondeu a sua perna.
Não tô aqui pra passar régua na dor de ninguém e cada “Fera Ferida” sabe onde seus sentimentos apertam. Também nem posso imaginar o tamanho da pressão que Roberto enfrentou numa época onde a deficiência era escondida, e as pessoas com deficiência eram tratadas como coitados, fracassados e a rudeza grosseira e capacitista da sociedade forçava a muitos a esconder as suas características ou até esconder seus filhos.
Por uma (ou seriam duas gerações?) a deficiência ainda era escondida e repudiada. Enquanto Roberto estourava seu novo hit na rádio, as pessoas com deficiência ainda eram proibidas de acessar a escola, eram escondidas e institucionalizadas.
Uma pena, pois se Roberto tivesse feito um único show de bermuda (azul e branca) teria representando tanta gente! Seria o empoderamento e a genialidade contra o capacitismo estrutural. Uma quebra total de paradigmas.
Roberto estourava seu hit nas rádios de todo o Brasil na Jovem Guarda e dizia que “era terrível”, enquanto isso, uma luta social se iniciava no mundo e entrava em pauta o conceito de aceitar o “deficiente paratleta e superador”. Foi quando as pessoas com deficiência começaram a ser humanizadas ao demonstrarem sua funcionalidade e superação, e, como paratletas, passaram a pertencer socialmente. Foi uma forma de reabilitar militares feridos e amputados na Segunda Guerra Mundial, que, aposentados encontraram no esporte uma ressignificação da vida e da autoestima.
Hoje Roberto fez 80 anos e ainda não falou sobre sua deficiência. Dudu Braga, um dos seus filhos, que é cego, e, ao contrário do pai, é super engajado na pauta da inclusão e acessibilidade, deu uma entrevista recente onde comentou sobre o acidente do pai, destacando que “acredita que um dia, Roberto Carlos falará sobre o assunto”.
Hoje, além de dar os parabéns para Roberto por tudo que ele é, eu também gostaria de dizer que acho que a sua deficiência não o define. Como é apenas uma característica sua, poderia, sim, ter feito parte da sua história: com autoestima, com autoamor, com empoderamento e aceitação, ajudando a derrubar milhares de barreiras atitudinais e capacitistas deste mundo.
Sei, Roberto, que eram outros tempos. Tempos, onde o politicamente incorreto era humor, e o capacistismo, que associa a deficiência ao que há de ruim, permitia ainda, que você colocasse um nome tão ruim como “Todos Estão Surdos” numa canção de letra tão linda.
Ser artista também é o desafio de ser uma voz dissonante. E nisto, eu, como sua fã, ainda te aguardo, Roberto. Quero ver se você é “O cara”.
Mãe do Guto, empreendedora social e gestora da Soluções Inclusivas (@sejainclusive ↗). Ativista em defesa dos direitos das pessoas com deficiência (PcDs), especializada em políticas públicas para PcDs, ex-assessora da Frente Parlamentar em Defesa das PcDs de Pernambuco. Foi Vice-Presidente fundadora da ONG AMAR, com prêmios como a Medalha do Mérito Heroínas do Tejucupapo e o Prêmio Tacaruna Mulher. Criou o projeto “mãelitante” para ajudar e unir mães de crianças com deficiência através da sororidade.
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O que pessoas como você não entendem é que cada um revela de sua vida e de sua intimidade o que bem entende. Num mundo extremamente fútil e promíscuo, onde as pessoas andam por aí se expondo em beijos, fotos de biquini – e mesmo sem ele – Roberto Carlos segue optando por revelar sua vida, sua fé, seus amores e desamores por meio de suas canções.
Eu também sou deficiente, portanto, bem mais do que você me sinto no direito de opinar: e com toda a franqueza, eu me sinto representado por Roberto Carlos pela sua superação. E tenho certeza de que inúmeros outros deficientes também. O cara chegou onde chegou….. jamais permitiu que sua “deficiência” lhe tirasse o senso profissional, a vontade de vencer na vida fazendo o que sabia…. com paixão, seguindo à risca seus compromissos, aperfeiçoando seu talento, estudando, trabalhando sério e duro! isso é inspirador!
Definitivamente, os jornalistas precisam respeitar quem está ou não com vontade de ser “matéria”.
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