Presença histórica de jornalistas com deficiência marca o 18º Congresso da Abraji

Imagem retrata participantes do debate no centro do auditório Vitor Civita (ESPM), entre duas telas de projeção. À esquerda, encontra-se a tradutora e intérprete de Libras em pé, ao lado dos jornalistas com deficiência Jairo Marques e Rafael Ferraz, ambos cadeirantes. Logo em seguida, a psicóloga Mônica Santa sentada na poltrona junto à jornalista Cintia Souza, também cadeirante. Algumas pessoas estão assistindo à apresentação. (Foto: Marco Pinto)
Pela primeira vez em quase duas décadas, o 18º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji abriu espaço para o debate sobre a presença de jornalistas com deficiência nas redações. (Foto: Marco Pinto)

Mesa destacou a importância da convivência na diversidade para promover a inclusão de pessoas com deficiência em todas as esferas sociais.

Quantas pessoas com experiências diferentes das suas são suas amigas? Já saiu para jantar com uma pessoa cadeirante ou surda? Você já se relacionou uma pessoa cega ou com baixa visão? Essas são apenas algumas questões que nos fazem refletir sobre a rara presença de jornalistas com deficiência nas redações e ambientes jornalísticos – tema central da mesa sobre capacitismo no 18º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji.

Neste artigo

Boa leitura!

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O 18º Congresso da Abraji

Iniciativa da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o Congresso realizado desde 2005 é o maior encontro de jornalistas do Brasil e um dos mais importantes da América Latina. O evento ocorreu entre 29 de junho e 2 de julho de 2023, com um formato híbrido realizado no campus Álvaro Alvim da ESPM, em São Paulo. Contou com a participação de mais de 200 painelistas e convidados do Brasil e do exterior.

Com uma programação abrangente que incluiu mais de 100 atividades, sendo 50% delas em formato online, o encontro discutiu temas relevantes da atualidade e seus impactos na democracia. Entre os tópicos discutidos estavam a influência da inteligência artificial na comunicação, a política no Brasil e no mundo, reportagens sobre direitos humanos, meio ambiente, violência e corrupção.

Capacitismo e Jornalismo

Diversidade, equidade e inclusão foram temas abordados na programação jornalística deste ano, que recebeu 237 sugestões em uma chamada pública. Apesar do engajamento gerado nas redes sociais, marketing e entre profissionais de Recursos Humanos, ainda é raro encontrar jornalistas com deficiência nas redações e em outros ambientes em geral.

Com o objetivo de compreender como tornar o jornalismo um campo verdadeiramente diverso e inclusivo, um debate inédito explorou os caminhos que podem ajudar a eliminar o preconceito da sociedade: a mesa “Capacitismo e Jornalismo: não deixe essa discussão ser ignorada na sua redação”.

Jornalistas com deficiência e o capacitismo

A discussão sobre Capacitismo e Jornalismo foi mediada pelo jornalista Rafael Ferraz, editor na Jornalista Inclusivo e consultor em acessibilidade e inclusão. As pessoas palestrantes incluíram Cíntia Soares, jornalista, diretora e roteirista da série documental autobiográfica “Elos: traduzindo o intraduzível”; Jairo Marques, editor de Vida Pública e colunista de diversidade na Folha de S.Paulo; e Mônica Santana, psicóloga e consultora de RH do Alma Preta Jornalismo e mentora de Soft Skills com foco na inclusão social no mercado de trabalho.

De fato, a presença de profissionais com deficiência nas redações reflete a realidade da sociedade em que essas pessoas estão inseridas, assim como acontece em qualquer outra profissão, no lazer e no cotidiano. Enquanto a comunidade de pessoas com deficiência for institucionalizada, tratada como pessoas especiais e diferentes, ela continuará à margem da sociedade, excluída e distante de espaços sem acessibilidade que impossibilitam a inclusão.

A importância da afetividade para a inclusão

Cíntia Soares, coordenadora de redes sociais na Prefeitura de Ouro Preto (MG), foi a primeira a apresentar-se. Contribuindo com informações conceituais sobre o capacitismo – a discriminação enfrentada por pessoas com deficiência, ela propôs uma reflexão sobre a importância da afetividade para estimular a inclusão, o sentimento de pertencimento e a representatividade das pessoas com deficiência na sociedade e no ambiente profissional.

“A construção de relações afetivas é importante para ajudar não somente a manter um ambiente saudável na área profissional, mas também em toda a sociedade. Aspecto este que está muito presente em meu trabalho e cotidiano”, diz Cíntia. “Por isso, a primeira acessibilidade é a atitudinal”, completa.

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Capacitismo: uma questão transversal

Jairo Marques, autor do livro “Crônicas para um Mundo mais Diverso” (2022), escreve para a Folha de S. Paulo desde 1999, abordando temas como cidadania, direitos humanos, inclusão, mobilidade e aspectos da vida das pessoas com deficiência, além de manter o blog “Assim como Você”. Durante a mesa argumentou que a baixa presença de jornalistas com deficiência nas redações reflete uma realidade mais ampla.

“O capacitismo ainda é um tema pouco conhecido e enraizado. Apesar da importância da representatividade, o preconceito é anterior… e a acessibilidade é uma obrigação legal. Por isso, precisamos discutir o preconceito”, afirma.

Estereótipos e vieses inconscientes

Mônica Santana, psicóloga, apresentou pontos práticos com base em sua experiência. Em seu discurso sobre acessibilidade comportamental, como professora universitária na disciplina de Psicologia e Deficiência e professora na pós-graduação de Psicologia, ela falou sobre preconceito e discriminação do ponto de vista jurídico, estereótipos e a formação psíquica dos mesmos, comportamentos diários nas práticas de seleção de pessoal e ações efetivas para promover mudanças comportamentais no ambiente de trabalho.

Segundo Mônica, antes de pensar racionalmente em algo, toma-se uma atitude que vem do viés inconsciente, na qual identificamos, categorizamos e classificamos aquela pessoa.

“Eu não olho o ser humano, mas ‘o PCD’ (objetificando a pessoa com deficiência). Mas a ideia é que a gente pense no viés inconsciente, como algo presente na linguagem e nas nossas atitudes, porque ele tá presente nessa ideologia que sustenta a nossa formação enquanto sociedade, não só enquanto sujeitos. E esses relacionamentos interpessoais, que a gente acaba não tendo, acontecem justamente por conta da não convivência da pessoa com deficiência na sociedade de uma forma geral”, conclui.

Sala Victor Civita, com detalhe da tela de projeção com a pergunta: O que é Capacitismo?, as pessoas palestrantes, mediadora e intérprete de Libras.
Descrição da imagem #PraGeralVer: Foto na lateral da sala, durante mesa que discutiu a inclusão de jornalistas com deficiência, com duas telas grandes de projeção e participantes no centro. Tirada próxima da tela de projeção, à direita, é possível enxergar a pergunta: “O que é capacitismo?”. Na sequência aparecem as pessoas palestrantes, mediadora e intérprete de Libras. No canto esquerdo aparece a outra tela de projeção das apresentações. (Foto: Marco Pinto/editada com recorte)
"Os bastidores da notícia, os desafios da reportagem"

Com os ingressos presenciais esgotados quase uma semana antes da edição de 2023, o Congresso da Abraji prestou homenagem ao repórter Caco Barcellos, com mais de cinco décadas de experiência. A cerimônia de premiação ocorreu no dia 29 de junho e contou com a exibição do documentário “50 anos de reportagens de Caco Barcellos”, produzido especialmente para o evento.

Cláudio Barcellos de Barcellos, mais conhecido como Caco Barcellos, nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 5 de março de 1950. À frente do “Profissão Repórter” na TV Globo, ele é um jornalista, repórter de televisão e escritor brasileiro especializado em jornalismo investigativo, investigações, documentários e grandes reportagens sobre injustiça social e violência.

Caco iniciou sua carreira no jornal Folha da Manhã, do grupo Caldas Júnior. Durante os anos 70, teve uma atuação destacada na imprensa alternativa e foi um dos fundadores da Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre. Além disso, ele criou a revista Versus, que tinha o objetivo de apresentar grandes reportagens sobre o continente latino-americano.

Caco Barcellos também é escritor. Entre suas obras mais conhecidas estão “Nicarágua – A revolução das crianças” (1982) e “Rota 66 – A História da Polícia que Mata” (1992), que identificou jovens assassinados pela brutalidade policial, e “O Abusado: O Dono do Morro Dona Marta” (2003), que ganharam o Prêmio Jabuti nas categorias Reportagem e Biografia e Livro do Ano Não-Ficção.

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Jornalista Inclusivo

Da Equipe de Redação

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