A exposição imersiva Van Gogh Live 8K é apenas tecnológica e não oferece o mais importante: as tecnologias assistivas e acessibilidade digital
A mais evoluída tecnologia que conheço é a “tecnologia assistiva”. Quando através da empatia e criatividade são desenvolvidos produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que tenham como objetivo promover a funcionalidade e participação das pessoas com deficiências em todos os ambientes.
Ultimamente a tecnologia tem permitido a aceleração deste processo: softwares como leitores de tela para pessoas cegas, aplicativos com avatares que traduzem conteúdos para Libras, QR Code e narrador de site, transformando texto em áudio e permitindo acesso a uma infinidade de conteúdos.
Boa leitura!
Exposição de Van Gogh no Recife
Anunciada com estardalhaço como uma experiência tecnológica e sensorial, a exposição Van Gogh Live 8K , instalada no estacionamento do Shopping RioMar, na Zona Sul do Recife (PE), fica em um espaço personalizado de 2.800 metros quadrados, com projeções das obras do pintor pós-impressionista neerlandês.
Num mundo onde a internet oferta de tantas novidades voláteis, ainda não existe nada mais revolucionário do que promover inclusão por meio da acessibilidade. E isso não ocorre nessa exposição.
Visitei a mostra e fiquei decepcionada, me permita dizer, até indignada, ao constatar que a exposição não oferece NENHUMA acessibilidade para pessoas cegas ou surdas.
Existem muitas formas de promover o acesso de pessoas com deficiência aos diversos conteúdos, artísticos ou não. Acessibilidade comunicacional e digital, tecnologias assistivas, empatia e vontade.
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Audiodescrição e a arte de contar história
Lembra antigamente quando não existia nem televisão? Imagine a leitura de um livro para um ouvinte atento, permitindo-lhe aguçar novos sentidos e adentrar o mundo infinito da imaginação. A audiodescrição é mais ou menos assim, alguém relata através de uma história que descreve os elementos visuais do ambiente, para que a pessoa cega tenha uma percepção visual.
Além disso, pode-se também gravar previamente todo este conteúdo e disponibilizar em formato digital para ser baixado e ouvido pela pessoa cega. Isso é uma tecnologia assistiva. Custa barato diante da grande produção que vi.
A primeira etapa da exposição é inteiramente com textos que contam a trajetória de Vincent van Gogh. Conteúdo inacessível para pessoas cegas ou baixa visão. São cerca de 10 vidros grandes com molduras suntuosas e em estilo rococó na cor dourada, e onde estão colados os adesivos de palavras: o texto.
![Foto da exposição de Van Gogh Live 8K, mostrando o quadro “A Cadeira” e o texto colado no vidro. Foto da exposição de Van Gogh Live 8K, mostrando o quadro “A Cadeira” e o texto colado no vidro.](https://jornalistainclusivo.com/wp-content/uploads/2023/02/van-gogh-live-8K-sem-acessibilidade-pessoa-cega.jpg)
O tempo exaustivo para a montagem e colagem de cada palavrinha poderia também ser dirigido para uma simples impressão em Sistema Braille, tornando o conteúdo acessível para pessoas cegas. Poderia ser lido manualmente, in loco, ou através de um QR Code com o conteúdo digital para ser baixado, afinal, pessoas cegas ou com baixa visão usam leitores de tela e poderiam ouvir os textos em seus celulares.
Poderia haver também uma visita guiada com horário agendado, com um audiodescritor presente. Ou fones de ouvido com as audiodescrições gravadas previamente.
![Foto de mulher observando a obra com moldura e textos colados no vidro. Foto de mulher observando a obra com moldura e textos colados no vidro.](https://jornalistainclusivo.com/wp-content/uploads/2023/02/van-gogh-live-8K-sem-acessibilidade-3.jpg)
Exposição sem Acessibilidade na deficiência auditiva
Para as pessoas surdas deveria existir acessibilidade em Libras, exposta em monitores ou versão digital. Mas principalmente, falta a presença de Tradutores e Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (Tils) para a população surda. Poderia existir até uma grade de visitas guiadas acessíveis, além de guias videntes e audiodescritores para as pessoas cegas, por exemplo.
Mas não ter nenhum recurso, é inaceitável. É indigno. Acesso à cultura é direito das pessoas com deficiência. Não é um favor. Eventos que cobram ingresso ou os que recebem verba pública têm obrigação de oferecer acessibilidade comunicacional e em outras dimensões: atitudinal, digital, instrumental. A LBI – Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015 ) é bem clara: acesso a cultura e ao lazer é DIREITO.
“Acesso à cultura e lazer é direito, não é favor”
Design universal
Admira-me uma produção que imprime painéis de 10 metros de altura adornando a fachada do Shopping Rio Mar, sinalizações em cancelas do estacionamento, multi-divulgação publicitária etc., não dispor minimamente do mais importante: o direito e a dignidade humana de pertencer, promovendo acesso às PcDs.
Antes de ser bonito, um evento artístico e/ou cultural tem que ser funcional. Até quando a preocupação com decorações instagramáveis virão acima da acessibilidade? Até quando será negada participação social, a dignidade e o exercício da cidadania?
![Foto na sala multimídia com paredes de LED da exposição Van Gogh Live 8K. Foto na sala multimídia com paredes de LED da exposição Van Gogh Live 8K.](https://jornalistainclusivo.com/wp-content/uploads/2023/02/van-gogh-live-8K-sem-acessibilidade-sala-multimidia.jpg)
A neurodiversidade de Van Gogh
Curiosamente, Van Gogh era neurodivergente. Seu perfil foi objeto de estudo de pesquisadores da Universidade de Medicina de Groningen, na Holanda, e pela situação obscura da sua morte e diversas tentativas de suicídio, chegaram à conclusão de que ele sofria de transtorno bipolar e depressão aguda, agravados por delírios causados pela abstinência de álcool que causavam surtos psicóticos e automutilação. O grupo de pesquisadores analisou 902 cartas escritas por ele. Muitos trechos dessas cartas ilustram a exposição. Inacessíveis para os cegos e surdos que não entendem o português.
Vale lembrar que apenas 15% das pessoas surdas entende português. Não é “só ler”. O que é simples para você (pessoa ouvinte) pode ser um obstáculo para quem não ouve, uma vez que o português é aprendido como sua segunda língua e nem sempre existiu professor na sala de aula, nem sempre foi dada a oportunidade ao surdo de se tornar bilíngue. Por existir mais de 10 milhões de surdos, o Brasil é um país bilíngue.
A exposição está rodando: a mostra é dos mesmos produtores de Beyond Van Gogh (2022) , que trouxeram eventos interativos de realidade virtual em Brasília e São Paulo. A Van Gogh Live 8K estreou no Rio de Janeiro, em julho, e em Goiânia, em novembro de 2022. Também está agendada para chegar em Fortaleza em 16 de março, no shopping da mesma rede. Ou seja, a mostra é simultânea em diferentes cidades pois ficará no Recife até maio.
![Foto em ambiente escuro, da sala sensorial, com paredes de LED. Pessoas estão em pé e sentadas no chão multicolorido. Foto em ambiente escuro, da sala sensorial, com paredes de LED. Pessoas estão em pé e sentadas no chão multicolorido.](https://jornalistainclusivo.com/wp-content/uploads/2023/02/van-gogh-live-8K-sem-acessibilidade-sala-sensorial.jpg)
Quanto à neurodivergência de Van Gogh, à luz da Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015 ), ele seria considerado uma PcD, pois o sofrimento mental, transtornos e depressão incapacitante são reconhecidas como Deficiência Mental. O que era chamado de deficiência mental – como a trissomia do cromossomo 21 (popularmente conhecida como síndrome de Down) hoje é Deficiência Intelectual.
“O que pensaria Van Gogh, em sua sensibilidade?”
“Bem-vindo a nossa loja” – nos diz a promotora na saída da experiência e você percebe que está entre canecas, copos, mochilas, chapéus de vários modelos, canetas, camisetas e até pijamas e camisolas, tudo com a estamparia dos quadros de Van Gogh. É girassol de plástico para todo lado.
Cada Girassol é um flash
Outro ponto forte a ser observado é a quantidade de espaços instagramáveis: molduras vazias disputadas e paredes decoradas com flores de plástico, multiespelhos e até uma moldura singela com girassóis de plástico pendurada. Em quase todos, não era possível ficar um minuto quieto que já chegava alguém: “posso tirar a minha foto ou você já tirou a sua ?”
Essa cultura exibicionista do “eu” revela que a cultura mudou: mais importante que a obra em si, é preciso ter um espaço instagramável para fazer uma foto. Sem flash. Quem sou eu para me aprofundar a uma análise antropológica sobre isso. Mas por todos os lados a frase mais ouvida era “favor não use o flash”.
![Foto da autora do artigo, Daniela Rorato, na moldura instagramável de girassóis de plástico. Foto da autora do artigo, Daniela Rorato, na moldura instagramável de girassóis de plástico.](https://jornalistainclusivo.com/wp-content/uploads/2023/02/van-gogh-live-8K-sem-acessibilidade-girassois.jpg)
Até a data desta publicação, a responsável pela montagem da exposição de Van Gogh, a Blast Entertainment, empresa da DC Set Group, não respondeu nosso e-mail.
![Picture of Daniela Rorato Picture of Daniela Rorato](https://jornalistainclusivo.com/wp-content/uploads/2021/03/Dani-Rorato-300x300.png)
Mãe do Guto, empreendedora social e gestora da Soluções Inclusivas (@sejainclusive ). Ativista em defesa dos direitos das pessoas com deficiência (PcDs), especializada em políticas públicas para PcDs, ex-assessora da Frente Parlamentar em Defesa das PcDs de Pernambuco. Foi Vice-Presidente fundadora da ONG AMAR, com prêmios como a Medalha do Mérito Heroínas do Tejucupapo e o Prêmio Tacaruna Mulher. Criou o projeto “mãelitante” para ajudar e unir mães de crianças com deficiência através da sororidade.
Prezado,
Nosso propósito é denunciar e combater o capacitismo com informação. E nesta clara denúncia, a opinião da jornalista Daniela Rorato é também deste veículo.
Agradecemos por prestigiar o artigo sobre a falta de acessibilidade na exposição Van Gogh Live 8K. Lamentamos que você tenha expressado uma opinião preconceituosa.
Gostaríamos de enfatizar que a acessibilidade é um direito fundamental de todas as pessoas, independentemente de suas limitações físicas ou sensoriais. Todos os eventos, incluindo exposições tecnológicas e sensoriais, devem ser projetados e realizados com a inclusão em mente.
Nossa equipe está comprometida em promover a conscientização sobre questões de acessibilidade, e estamos trabalhando para garantir que a exposição Van Gogh Live 8K seja acessível para todos. Isso inclui a disponibilização de audioguias, informações em braille, audiodescrição, legendas e em Libras, bem como outras soluções de acessibilidade.
Além disso, a Lei Brasileira de Inclusão n. 13.146/2015 estabelece diversos direitos relacionados à acessibilidade para pessoas com deficiência. Entre eles, destacam-se a acessibilidade comunicacional, digital e de participação.
Esperamos que você possa reconsiderar sua opinião e juntar-se a nós na luta pela inclusão e acessibilidade para todos. Agradecemos pelo seu feedback e estamos sempre à disposição para responder a quaisquer outras perguntas ou preocupações que você possa ter.
Atenciosamente,
Explica com fazer a inclusão de todos os deficientes possiveis. Quais equipamentos ? Tem que mandar reciclar todos pintores do mundo tambem?
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