Sobre o capacitismo, por Carol Nunes

Criança com paralisia cerebral e sua irmã, com a fisioterapeuta, para o texto Sobre o Capacitismo.
Descrição da imagem #PraCegoVer: Fotografia colorida para o texto Sobre o Capacitismo com três pessoas. O jovem Vitor Hugo Santos Franco, 14 anos, com paralisia cerebral (GMFCS nível V). Ele tem pele branca e cabelos pretos curtos, está sentado na cama e rindo, com a Duda, sua irmã mais nova dele, que o abraça por trás para sair junto na foto. Ela tem pele branca e cabelos loiros cacheados na altura dos ombros. A fisioterapeuta e autora deste artigo, Carol Nunes, está sentada ao lado deles, vestindo jaleco branco e máscara hospitalar. Ela tem pele branca, cabelos castanhos presos atrás da cabeça, e está segurando o celular registrando esta foto. Créditos: Acervo pessoal

Perguntas que precisamos nos fazer na luta contra o capacitismo

Pelo Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, fisioterapeuta reforça a necessidade de sairmos da zona de conforto e assumirmos nossos preconceitos para então combatê-los

É muito estranho uma pessoa sem deficiência, que não sofre este tipo de preconceito, falar sobre capacitismo. Não me sinto capacitada para expor a real dimensão do que essa discriminação causa. Não sinto que eu tenha a mínima noção do que é sentir na pele esse preconceito, e ser impactada por ele. Não posso imaginar. Não é possível imaginar algo que, neste momento, não é possível para mim.

Mas posso afirmar que sou uma pessoa anticapacitista. Que sou uma pessoa em constante desconstrução de crenças e preconceitos em relação às pessoas com deficiência. E que a cada dia fortalece e edifica seu respeito por esse grupo. Por essa enorme minoria.

Viver com pessoas com deficiência não me faz apta a falar sobre os sentimentos que o capacitismo traz com ele. Cada pessoa com deficiência terá um sentimento diferente, em situações diferentes e em momentos diferentes. Mas conviver com as diferenças me faz respeita-las. Me faz uma aliada. Uma parceira nessa luta tão importante.

Então, não poderia vir aqui falar do capacitismo. Mas venho aqui, com toda coragem e afeto, falar da importância de sairmos de nossas zonas de conforto e buscarmos a nossa reconstrução como seres humanos. A importância de buscarmos identificar e nomear nossas crenças e, a partir disso, modificar as nossas atitudes.

Criança com paralisia cerebral em atendimento com fisioterapeuta, para artigo Sobre o capacitismo
Descrição da imagem #PraCegoVer: Carol Nunes está atendendo a pequena Ana Bela (4 anos), que tem paralisia cerebral (GMFCS nível V). De jaleco branco, calça azul e máscara hospitalar, a fisioterapeuta está sentada atrás da criança, sustentando e alinhando seu rosto com as mãos. Ana Bela tem pele branca e cabelos pretos cacheados e curtos, usa vestido rosa e talas extensoras nos braços e cotovelos, para descarga de peso. Créditos: Acervo pessoal

Quando nos permitimos sair de nossa zona de conforto e assumirmos nossos preconceitos, estamos nos dando uma oportunidade maravilhosa de reconstrução e evolução. Assumir nossos preconceitos nos permite nomeá-los. E quando sabemos seu nome temos a oportunidade de combatê-lo. Não podemos combater o desconhecido. Como que poderíamos lutar contra algo que nem sabemos que existe? Ou como existe! Precisamos nos conhecer para entendermos como podemos agir.

Não há problema nenhum em assumirmos o nosso preconceito. Em assumirmos o nosso capacitismo. Vivemos em uma sociedade cheia de crenças e frases prontas. Frases formuladas por pessoas SEM deficiência PARA pessoas com deficiência. Isso parece loucura não é mesmo?!

Sobre o capacitismo: Zona de conforto

Quantos de nós não cresceu ouvindo frases do tipo:

“Deus não dá um fardo maior que não possa carregar”?

Em um primeiro momento essa frase parece super motivacional e fortalecedora. Mas essa frase é muito preconceituosa. Estamos colocando a vida dessa pessoa como um fardo. E fardo não é uma coisa legal. Não é uma coisa desejada e amada. Precisamos pensar em como a outra pessoa está se sentindo ao ouvir essa frase. Por mais que a nossa intenção seja de apoio, será que estamos usando as frases certas? Será que não estamos nos colocando em uma posição de superioridade, de quem apenas aceita o outro apesar de suas diferenças? E não com suas diferenças. Isso tudo é uma crença, um preconceito enraizado culturalmente em nós. Frases que pessoas sem deficiência nos ensinaram ser positivas. Mas nunca paramos para ouvir as pessoas com deficiência relatando como se sentem em relação a isso.

E, como disse anteriormente, não há problema nenhum em assumirmos nossos preconceitos. Quando assumimos podemos combatê-los. O problema está em assumirmos e continuarmos no mesmo lugar.

Descrição da imagem #PraCegoVer: Carol usa um protetor transparente no rosto, e jaleco branco. Está sorrindo, junto do pequeno Lucas (2 anos), que tem trissomia do cromossomo 21 (síndrome de Down). Uma criança de cabelos loiros e curtos, de pele branca. Usa blusa vermelha, tem um braço levantado e está mostrando a língua. Créditos: Acervo pessoal

Sair da zona de conforto não é fácil. É extremamente desconfortável. Ninguém quer se sentir preconceituoso. Ninguém gostaria de saber que causou dor ou tristeza em outra pessoa. Mas precisamos assumir nossas responsabilidades. Precisamos assumir a responsabilidade de nossas frases, de nossas atitudes e de nossos sentimentos. Precisamos encarar a vida de frente, como ela é. E dispostos a modificar o que nos incomodou. O que impactamos no outro. O que nomeamos e não queremos mais para nós.

Não é fácil começar. Mas como tudo na vida, é um treino. Quando nos dispomos a começar, aos poucos vamos reconstruindo nosso modo de pensar e de agir. Começamos a nos questionar “por que eu penso assim?”, “por que eu ajo assim?”.

Muitos de nossos pensamentos não são tão nossos. Foram ensinados. Foram repetidos tantas e tantas vezes que ficaram gravados em nossa cabeça.

Sobre o capacitismo: Perguntas que sempre devemos nos fazer!

Quantas pessoas aqui já não disseram a uma mãe com um filho com deficiência que ele é um anjo? Na intenção de elogiá-lo e confortar aquela mãe. Mas será que aquela mãe quer ser confortada por causa de seu filho? Será que aquela mãe lamenta o filho que tem? Tenho certeza que todas as mães amam seus filhos do jeito que são. E chamá-los de anjo nem sempre soa gentil. E por que chamamos de anjo? Não conhecemos aquela criança! Na grande maioria das vezes, são crianças que também aprontam, também fazem birra, também choram, também quebram coisas e sujam a casa, também brigam com irmãos ou respondem aos pais. Não são anjos. São crianças comuns. Que apesar de tudo isso, também são amorosas, são felizes, são curiosas e querem explorar o mundo. Anjos não são humanos. E por que insistimos em desumanizar crianças com deficiência?

São perguntas que devemos nos fazer sempre. Toda vez que nos depararmos com uma pessoa com deficiência, antes de proferirmos a primeira frase devemos pensar “por que eu irei dizer isso?”, “eu realmente penso isso?”, “eu nem conheço essa pessoa, será que eu devo dizer isso?”. São questionamentos que nos fazem refletir como temos agido na sociedade em relação às pessoas com deficiência. São pensamentos que nos fazem refletir sobre o que realmente acreditamos. O que realmente pensamos. E o que estamos deixando “pensar” por nós.

Deixo aqui o convite a todos. Vamos sair de nossas zonas de conforto? Vamos enxergar as pessoas além da deficiência? Estamos todos juntos, basta darmos nossas mãos.

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Carol Nunes

Formada em Fisioterapia pela Unesp, Ana Carolina Navarro Nunes tem especialização Neurofuncional com enfoque Neuropediatrico. É coordenadora do setor Neurofuncional da clínica Fisiocenter, em Itu (SP), onde também atende como Fisioterapeuta. Aqui no site Jornalista Inclusivo ela é responsável pelo espaço "Sem Filtro & Com Afeto".

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