Pacientes sem convênio precisam recorrer à justiça para terem acesso ao tratamento que já deveria estar no sistema público de saúde.
Apesar do Projeto de Lei 5559/16 ↗, que estabelece o Estatuto de Direitos do Paciente, estar parado desde 2016, pessoas com epilepsia resistente a medicamentos têm aguardado por cinco anos por um tratamento moderno e pouco invasivo no SUS. Embora o Ministério da Saúde tenha decidido em 2018 adotar a terapia VNS, semelhante a um marca-passo cerebral para esses pacientes, o tratamento ainda não está disponível no sistema de saúde público. Esse tratamento é indicado para pacientes do Sistema Único de Saúde que não são candidatos à cirurgia ressectiva.
Boa leitura!
Disponibilidade da terapia no SUS
Maria Alice Mello Susemihl, presidente da Associação Brasileira de Epilepsia (ABE), uma organização sem fins lucrativos que promove a melhorIa da qualidade de vida das pessoas com epilepsia, expressa tristeza com a situação. Ela diz que pacientes têm que lutar na justiça por um tratamento que já deveria estar disponível há muito tempo.
“Estamos há anos dialogando com o Ministério da Saúde para resolvermos esse imbróglio. Enviamos até mesmo uma carta à Secretaria de Atenção Especializada à Saúde (SAES), pois vemos que a não incorporação da terapia ofende todos os profissionais que trabalharam analisando a necessidade da incorporação, os médicos e todas as pessoas que participaram da consulta pública, bem como o direito à saúde de todos os brasileiros”, completa Susemihl.
Acesso de Pacientes com Epilepsia à Terapia
Daniel Braz é pai de Rafael, um menino de 10 anos que começou a ter convulsões quando tinha apenas seis meses de idade. Dez meses depois, Rafael foi diagnosticado com uma mutação no gene SCN8A, que causa uma forma de epilepsia difícil de controlar. Rafael chegava a ter cerca de 50 convulsões por dia.
Buscando informações sobre a rara condição do filho, Daniel encontrou um grupo de apoio de pais nos Estados Unidos através de uma rede social. Foi lá que ele ouviu falar pela primeira vez sobre a terapia VNS (sigla em inglês para Estimulação Elétrica do Nervo Vago), através de depoimentos que mostravam uma série de benefícios nas condições das crianças que passaram pelo tratamento.
Com a orientação de um neurologista e a viabilização parcial através de um convênio, Rafael conseguiu implantar a terapia VNS no Brasil no final de 2015. Combinado com o tratamento medicamentoso prescrito, Rafael não teve mais convulsões.
“Costumamos dizer que o Rafa nasceu duas vezes: quando ele nasceu e quando as crises foram controladas”, diz Daniel. Ele acredita que a terapia VNS deveria ser acessível mais cedo para os pacientes, em vez de ser a última opção. No entanto, atualmente, essa oportunidade é limitada devido ao alto custo do tratamento.
Atraso na Saúde Pública
Ana Beatryz, uma menina de oito anos, com epilepsia resistente a medicamentos e tem indicação médica para a terapia VNS. No entanto, ela e sua mãe, Ana Luiza da Silva, estão esperando há dois anos para ter acesso ao tratamento pelo SUS.
Ana Luiza expressa sua frustração com a demora do Estado em fornecer o tratamento necessário. Ela destaca:
“A justiça autorizou, mas o Estado ainda não comprou o equipamento. Minha filha piorou significativamente, vive dentro de casa, não consegue andar, brincar, não vai à escola, por conta das crises constantes e porque os remédios são fortes e causam muita sonolência. É revoltante. A própria Constituição diz que minha filha tem direito à saúde, assim como qualquer cidadão, mas na prática, por que isso é tão difícil?”.
Promessa Não Cumprida
Para garantir a disponibilização das tecnologias incorporadas no SUS, é estipulado um prazo de 180 dias para a efetivação de sua oferta à população brasileira a partir da publicação da decisão no Diário Oficial da União (DOU). No caso da terapia VNS, a publicação no DOU originou a Portaria Nº 24, em 11 de setembro de 2018 ↗.
“Os 180 dias venceram dia 12 de março de 2019, mas hoje milhares de pacientes com epilepsia resistentes a medicamentos continuam sofrendo convulsões e hospitalizações desnecessárias”, afirma Maria Alice.
Após enviar emails questionando o Ministério da Saúde pela demora na disponibilização da terapia VNS, ainda em 2021, recebeu a resposta de que o Ministério está trabalhando no processo de atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Epilepsia (PCDT) para a inclusão da terapia.
“Este prazo de seis meses após a publicação no DOU existe exatamente para isso, para que o SUS possa se preparar para esta incorporação. Todo o processo de aprovação foi seguido à risca. Para que serve este processo de aprovação, se após a aprovação não há incorporação? Se o Ministério da Saúde não segue suas próprias determinações, os pacientes devem recorrer a quem?”, questiona Maria Alice.
Em 2023, foi realizada uma nova tentativa de contato em 14 de agosto com a Coordenação Geral de Atenção Especializada (CGAE), que compõe um departamento da SAES. Dez dias depois, a ABE recebeu um email dizendo que a equipe estava elaborando a resposta. Até o momento, não houve nenhuma outra atualização.
A Epilepsia: Dados e Tratamentos
A epilepsia é uma doença neurológica comum, afetando cerca de 50 milhões de pessoas globalmente e 2 a 3 milhões no Brasil, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Ela causa crises epilépticas devido à atividade neuronal síncrona ou excessiva no cérebro.
O tratamento geralmente envolve medicamentos que controlam as crises em cerca de 70% dos casos. Para os casos resistentes, existem opções como a dieta cetogênica, cirurgia e a terapia VNS. Infelizmente, pacientes do SUS ainda não têm acesso à terapia VNS, continuando a sofrer com as convulsões.
“Pessoas com epilepsia resistente ao tratamento têm grande impacto em suas vidas, incluindo escola, trabalho e convívio social. Elas têm maior risco de traumas, queimaduras e precisam de tratamentos médicos frequentes”, explica a Dra. Carmen Lisa Jorge, neurologista do Hospital das Clínicas de São Paulo. Ela acrescenta que a neuromodulação seria uma opção para muitos desses casos.
“A neuromodulação através do implante de estimulador do nervo vago (terapia VNS) é um tratamento aprovado há muito tempo. É uma opção segura e eficaz, que reduz a frequência e intensidade das crises, além de outros ganhos, como melhora na recuperação após crise e até mesmo no humor e comportamento”, afirma Dra. Carmen. Ela acrescenta que a terapia VNS poderia melhorar a qualidade de vida de muitos pacientes, mas ainda não está disponível no SUS.
Como é a Terapia VNS?
A Terapia VNS utiliza um pequeno aparelho médico, semelhante a um marca-passo, que envia impulsos elétricos ao nervo vago no pescoço. Esses impulsos ajudam a prevenir as alterações elétricas que causam as crises de epilepsia.
Procedimento de implante da Terapia VNS:
- O procedimento da Terapia VNS não envolve cirurgia cerebral.
- A cirurgia é geralmente realizada sob anestesia geral, o que pode requerer uma curta estadia no hospital.
- Através de um pequeno corte o gerador de pulso é implantado sob a pele abaixo da clavícula esquerda ou próximo da axila esquerda.
- Um segundo pequeno corte é feito no pescoço para fixar dois pequenos eletrodos ao nervo vago esquerdo. Os eletrodos são ligados ao gerador por um condutor que fica embaixo da pele.
- Após a cirurgia, além das duas pequenas cicatrizes devido às incisões, quase não se pode notar o gerador que apresenta apenas uma leve elevação na pele do peito onde foi implantado.
A Terapia VNS também fornece aos pacientes um ímã que pode ser usado para ativar o aparelho no início de uma crise. Essa estimulação adicional pode parar ou diminuir a gravidade das crises epilépticas. Esse é um benefício adicional da terapia de estimulação do nervo vago, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos pacientes e suas famílias.
Editor na Jornalista Inclusivo e na PCD Dataverso. Consultor em Estratégias Inclusivas e Gestor de Mídias Digitais. Formado em Comunicação Social (2006). Atuou como repórter, assessor de imprensa, executivo de contas e fotógrafo. Ativista dedicado aos direitos da pessoa com deficiência, redator na equipe Dando Flor e na Pachamen Editoria.