Fisioterapeuta Neurofuncional comenta sobre o cenário atual da Fisioterapia e as Pessoas com Deficiência
Por muitos anos nós, fisioterapeutas, fomos procurados por pessoas com deficiência e suas famílias como fonte de esperança, como diretrizes do que deveria ser feito, o que eles precisavam fazer de suas vidas e em seus dias regrados.
Pais se desdobravam para dar conta de uma rotina de exercícios e atividades propostas por terapeutas e que raramente eram concluídas com sucesso.
Crianças não entendiam o porquê daquilo tudo e pais se enxergavam entre a cruz e a espada, tentando encontrar um meio termo para agradar os terapeutas sem causar tanto sofrimento a seus filhos. Pessoas atribuíam o seu “insucesso” à não conseguirem corresponder às expectativas de seus fisioterapeutas.
Mas até onde as pessoas com deficiência precisam corresponder às expectativas de seus terapeutas?
Até onde pessoas com deficiência precisam corresponder às expectativas de qualquer pessoa? Não deveria ser o contrário!? Não parece ser correto um terapeuta, pessoa que até então não te conhece, não sabe sobre sua vida e sua história, determinar o que trará felicidade e sucesso a você.
Pensando nisso, nós fisioterapeutas começamos a nos questionar como poderíamos tornar a vida do nosso paciente realmente mais feliz, mais participativa e mais independente. E quando nos fazemos perguntas, começamos a buscar as respostas. E, entre todas as respostas encontradas, e todas as novas perguntas e novas respostas, chegamos a um ponto muito importante:
Os objetivos terapêuticos devem sempre ser centrados no paciente!
Devem corresponder às reais necessidades e sonhos de nossos pacientes. Devemos nos tornar pontes para tornar esses objetivos possíveis. Quem nos determina onde gostaria de chegar é a própria pessoa com deficiência. Ela, mais do que ninguém, sabe de suas necessidades e seus planos. Estamos todos juntos, cada um com seu papel. Há protagonistas, e há coadjuvantes.
A partir daí surgiu um movimento muito forte do serviço centrado na família. O serviço centrado na família é uma forma de atender pacientes levando em consideração seus valores e suas atitudes.
Baseia-se em três aspectos principais:
1. o paciente e seus pais (no caso de crianças e adolescentes) são aqueles com mais conhecimento sobre o que é melhor a eles. Eles devem ser responsáveis pela tomada de decisão no tratamento.
2. As famílias são diferentes e únicas e devemos respeitar sua individualidade.
3. A funcionalidade do paciente depende de uma rede de apoio familiar e comunitária, então devemos levar em consideração os problemas pessoais que ele e cada membro da família esteja passando.
Devemos também enfatizar que os profissionais têm a responsabilidade de respeitar as decisões do paciente. Porém, os profissionais não precisam fazer o que o paciente deseja caso o tratamento não seja seguro ou ético.
É tudo uma questão de ponderar até onde podemos ir. De colocarmos nossos pacientes como protagonistas de suas próprias histórias, de suas próprias narrativas. Os colocarmos a frente de suas próprias vidas e nos dizer para onde gostariam de caminhar. E nós vamos juntos. Seremos pontes, seremos rede. Seremos alguém em que nossos pacientes poderão compartilhar seus verdadeiros desejos e SUAS reais expectativas.
Acredito que quando respeitamos toda a trajetória e toda decisão dos nossos pacientes é o ponto em que podemos realmente fazer a diferença para ele.
E quando nosso paciente não sabe que habilidades gostaria desenvolver?
Ele sabe, apenas não está se organizando. Com uma sociedade capacitista e excludente determinando que não se pode fazer, não se pode alcançar, e não deve se expor, fica um pouco difícil acreditar que ‘aquilo’ seja seu objetivo principal. Mas a fisioterapia também está aqui para ajudar a encontrar esse sentido.
Alguns pacientes querem mobilidade no trabalho, alguns pacientes gostariam de participar de eventos públicos, algumas crianças gostariam de participar mais de brincadeiras, algumas pessoas gostariam de ter mobilidade independente, de frequentar bares sozinho. Algumas pessoas gostariam de ter meios para falar de coisas além de suas deficiências.
Existe muito conteúdo dentro de nós, e com nossos pacientes não é diferente. Estamos aqui para ajudá-los a mostrar esse conteúdo à sociedade. Mostrar que há uma PESSOA antes da DEFICIÊNCIA.
Então, quando falamos de fisioterapia para pessoas com deficiência hoje, com certeza falamos em fisioterapia voltada para participação. Narrativas contadas e vividas por seus protagonistas. Nada sobre nós sem nós.
Formada em Fisioterapia pela Unesp, Ana Carolina Navarro Nunes tem especialização Neurofuncional com enfoque Neuropediatrico. É coordenadora do setor Neurofuncional da clínica Fisiocenter, em Itu (SP), onde também atende como Fisioterapeuta. Aqui no site Jornalista Inclusivo ela é responsável pelo espaço "Sem Filtro & Com Afeto".
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