Construindo o próprio caminho de felicidade
Em mais um artigo sobre as experiências de uma pessoa com deficiência, “Bóra Sair?” é um convite ao debate sobre acessibilidade, inclusão e liberdade
Várias vezes me peguei pensando o quão bom era ser criança. Criança não tem medo, angústias e não reflete muito profundamente sobre questões que a envolvem enquanto indivíduo. Tudo está de bom tamanho: estar com a família, uma simples brincadeira ou comer aquele salgadinho de saquinho que tanto ama. Todavia, a personalidade muda, o tempo passa e novas necessidades surgem tirando o nosso fôlego.
A partir da adolescência, todas as pessoas tendem a querer expandir seu círculo social. As reuniões entre amigos, as primeiras festinhas aparecem e, então, chegou o momento de começarmos bater as asas sozinhos.
Os pais, por sua vez, começam a perder os cabelos ao imaginarem suas crias longe de seu Porto seguro. É uma realidade bem comum, mas você já parou para pensar nesse momento, quando ele envolve uma Pessoa com Deficiência? Quais fatores são somados, retirados ou potencializados? Certamente, será uma discussão complexa, porém prática.
Vejo que não existem indicadores que sinalizem a chegada dessa fase. Há, sim, uma certa pressão, em alguns casos, para que ela seja precoce e tal atitude apenas colocará a pessoa em situação de desconforto, uma vez que não se encontra intimamente preparada para viver aquele novo contexto. Contudo, se a curiosidade nunca pulsar para o novo, também não há problema algum. Afinal, cada um carrega a sua própria identidade e defende o que irá fazer diferença em seu dia a dia.
Outro processo natural é estar acompanhado (a) de pessoas que tragam segurança a você nas primeiras saídas, como pai, familiares ou amigos próximos. Aqui, não me refiro apenas a grandes festas, baladas. Frequentar bares, restaurante, onde for já é capaz de tornar alguém socialmente inserido (a).
Quando comecei a escrever hoje, minha intenção era falar exclusivamente das Pessoas com Deficiência. No entanto, seria maquiar a realidade. A proteção que nossos pais exercem é sempre maior do que o necessário. É um procedimento que exige diálogo para ajustar a medida ideal para cada universo.
Procuro, portanto, sempre enxergar meus questionamentos sob os dois ângulos possíveis, pois sei que deve ser de apertar o coração imaginar que seu filho (a) possa estar suscetível a algum “perigo” e você não estar presente para ajudar.
Entretanto, os riscos são muito mais imaginários e, mesmo que sejam reais, são importantes para o processo de amadurecimento e naturais nas transições de fase da vida de todos.
E aí, bóra sair?
Agora, trarei alguns aspectos bem intuitivos para atribuir sentido ao debate. É evidente que a luta por direitos sempre será legítima e interminável. Entretanto, ao meu ver, nós, Pessoas com Deficiência, também precisamos nos adaptar, em algumas situações, para ir aos locais que desejamos e estar perto de quem gostamos, principalmente quando o problema é acessibilidade ↗.
Por experiência, ambientes de entretenimento possuem inúmeras falhas no quesito acessibilidade, e entendo que as barreiras arquitetônicas, por falta de interesse, levam tempo para serem desconstruídas.
Dessa forma, cabe ao cidadão moldar-se para se ver integralmente completo nos seus interesses. Um bom exemplo é a ida ao banheiro, que muitas vezes não conta com as adaptações necessárias. Sendo assim, encontrar soluções individuais que tapem as lacunas públicas se faz mais eficaz.
No início deste artigo, citei a importância das companhias para tais momentos. Não preciso, ao menos, dizer o quanto é crucial que a pessoa possa ser ela, física e intelectualmente. Essa liberdade, em outro cenário e com parcerias não habituais, é mecanismo fundamental de afirmação, longe das amarras e rótulos.
Vários pontos negativos associados, como a infantilização e a vulnerabilidade são facilmente diluídos com a quebra do cotidiano padrão e com a naturalidade nas ações. Quando a pessoa sente a possibilidade de ser autêntica, descobre uma porção de características maravilhosas que ficavam sufocadas pelos tais conceitos.
Esse é um tema que gera posicionamento distintos, principalmente por ser tão particular. Por isso, o objetivo não é apontar lado certo ou errado, mas sim estimular que passemos por cima de nossos medos, anseios para deixar a vida um pouco mais leve nos instantes que ela permite.
O Jornalista Murilo Pereira dos Santos é Paratleta pela categoria BC1 de Bocha Paralímpica Ituana. Ele é editor do "Prosa de Gol" (@prosadegol), nas redes sociais, e da página "Sem Barreiras" (@_sem_barreiras), esta última oriunda do seu blog, que também dá nome a sua coluna aqui no site Jornalista Inclusivo, sobre paradesporto e outras questões relacionadas a paralisia cerebral, acessibilidade e inclusão.