O ciclo da violência doméstica no Brasil e o Dia Internacional da Mulher

Três fotos da Bruna Marsanovic, transformadas em cartoon, com a frase: “Ninguém é de ninguém, somos seres humanos livres”. Na imagem central está com o filho no colo depois de enfrentar o ciclo da violência domestica.
Hoje modelo, atleta e mãe, Bruna fala sobre o ciclo da violência doméstica para alertar a sociedade. (Imagem: Edição Jornalista Inclusivo. Fotos: Acervo pessoal)

O que podemos aprender neste 8 de março com uma cadeirante vítima da tentativa de feminicidio?

Bruna Marsanovic tinha 21 anos quando passou por uma experiência que muitas mulheres não têm a chance de contar: ela foi vítima de tentativa de feminicídio. A jovem foi jogada de um edifício em São Paulo, da altura de 12 metros, em 2015, pelo ex-namorado. 

Neste artigo

Boa leitura!

Dia Internacional da Mulher

Recuperada, Bruna passou a conviver com a nova realidade de se tornar uma cadeirante e hoje, dia 8 de março, pode mostrar a outras mulheres a importância do enfrentamento à violência. Bruna seguiu com sua rotina, no trabalho, como modelo, entrou para o primeiro time de Rugby em cadeira de rodas da capital Paulista e se tornou a mamãe do pequeno Ian, de 7 meses.

Em conversa com a redação Jornalista Inclusivo, Bruna não se cala e defende que ninguém é dono de ninguém, somos seres humanos livres.

“Atualmente temos um poder maior de visibilidade com esse assunto. Mas temos que discutir a respeito no dia a dia. É necessário que a gente conscientize, tanto homens quanto mulheres, que não precisa chegar ao ponto da violência. Se algo não agrada ao casal, é possível seguir a vida individualmente, sem prejudicar um ao outro, sem a necessidade de gastarmos nossa vida e deixar famílias despedaçadas”, afirma.

Uma extensão do corpo

Além da reabilitação, Bruna pôde contar com a tecnologia desenvolvida pela Ottobock, empresa alemã com atuação no Brasil desde 1975. Ela usa a cadeira motorizada Wingus, importante para trazer a tranquilidade necessária para sua rotina.

“A minha gravidez foi muito tranquila, podendo usar uma cadeira que me dá autonomia e independência. A cadeira, para quem usa, é uma extensão do corpo. Se a gente está sentado em um equipamento que não é adequado ao corpo, a gente percebe o quanto isso prejudica na nossa rotina, postura e saúde”, explica.

Ela faz questão de frisar que sua vida é a mesma de uma pessoa que não tem deficiência, graças ao avanço tecnológico na área.

“A tecnologia sempre nos proporciona equipamentos cada vez mais avançados a cada dia, que melhoram a vida do usuário. Eu acordo às 4h da manhã e enfrento a rotina de pegar metro e ônibus. A cadeira que eu uso me dá segurança e estabilidade. Permite que eu leve meu filho para a escola com mais tranquilidade, porque o meu dia é muito corrido”, completa.

Atual contexto da violência doméstica e de gênero

A Rede de Observatórios da Segurança , iniciativa que monitora e analisa a violência no Brasil, lançou nesta semana o relatório ‘Elas Vivem: dados que não se calam’ , que traz dados alarmantes sobre a violência contra as mulheres no país.

De acordo com o boletim, em 2022 foram registrados 2.423 casos de violência contra a mulher. Representando um aumento em relação aos anos anteriores, esses números mostram que uma mulher é vítima de violência a cada quatro horas em sete dos oito estados monitorados (exceto o Pará, que só passou a integrar a Rede em janeiro de 2023).

O boletim #ElasVivem é mais uma contribuição do Observatórios da Segurança para ampliar o debate sobre a violência contra a mulher e buscar soluções para esse grave problema social. O material em PDF pode ser acessado no link

Capa do relatório sobre violência de gênero, ciclo da violência doméstica, violência contra mulheres, Elas vivem: dados que não se calam.
Descrição da imagem #PraGeralVer: Parte da capa do boletim com o texto: Elas vivem: dados que não se calam. A imagem apresenta fotografias de mulheres com cartazes pedindo o fim da violência, além de ilustrações de mãos dadas. No topo, os nomes dos Estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Pará, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. (Imagem: Editada. Créditos: Rede de Observatórios da Segurança. Elas vivem: dados que não se calam. Rio de Janeiro: CESeC, março de 2023)

Feminicídio no país

O feminicídio é um crime de homicídio que tem como agravante a violência de gênero, doméstica ou familiar, bem como o menosprezo e a discriminação à condição da mulher na sociedade. Quando a violência não resulta em morte, pode gerar consequências graves, como o caso de Bruna, que ficou paraplégica.

Segundo dados do governo federal , apenas entre janeiro e julho de 2022, foram registradas 31 mil denúncias de violência doméstica contra mulheres. A psicóloga americana Lenore Walker descreveu esse “ciclo da violência” em três fases: aumento da tensão, ataque violento e a calmaria ou “lua de mel”.

O Ciclo da Violência Doméstica em 3 Fases

A violência doméstica pode assumir várias formas e especificidades, mas ocorre dentro desse ciclo que é repetido constantemente, como mostra o Instituto Maria da Penha .

Mulheres em relacionamentos abusivos frequentemente não identificam a violência doméstica que sofrem. Na fase inicial, o agressor apresenta sinais de irritação, acessos de raiva e comportamento destrutivo, ameaçando e humilhando a vítima. Infelizmente, muitas vezes a mulher nega a situação e esconde a verdade dos outros.

Na segunda fase ocorre o ato da violência, que pode ser verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial, deixando a mulher paralisada, incapaz de reagir e sofrendo diversos tipos de tensão psicológica, medo, vergonha e dor. É nesse momento que a vítima pode tomar decisões cruciais, buscar ajuda, denunciar o agressor ou, infelizmente, optar pelo suicídio como em diversos casos.

Após a fase de aumento da tensão, ocorre a “lua de mel”, momento em que o agressor demonstra afeto e carinho para buscar a reconciliação. A mulher, confusa e pressionada pela sociedade, pode abrir mão de seus direitos e recursos, enquanto o agressor promete mudanças. Contudo, a tensão retorna, dando lugar às agressões da primeira fase.

O Instituto Maria da Penha e mulheres como a Bruna e tantas outras nos ensina a importância da sociedade entender o ciclo da violência para ajudar a encerrar esse ciclo.

“As mulheres que sofrem violência não falam sobre o problema por um misto de sentimentos […]. Os agressores, por sua vez, não raro, constroem uma autoimagem de parceiros perfeitos e bons pais, dificultando a revelação da violência pela mulher. Por isso, é inaceitável a ideia de que a mulher permanece na relação violenta por gostar de apanhar.” (institutomariadapenha.org.br)

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Rafael F. Carpi

Editor na Jornalista Inclusivo e na PCD Dataverso. Formado em Comunicação Social (2006), foi repórter, assessor de imprensa, executivo de contas e fotógrafo. É consultor em inclusão, ativista dedicado aos direitos da pessoa com deficiência, e redator na equipe Dando Flor e na Pachamen Editoria.

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