“A companhia não pode impedir o passageiro de embarcar ou voar baseado na falta da máscara”, afirma advogada
Para Diana Serpe, especialista em Direito da Pessoa com Deficiência, “é necessário entender as habilidades sociais e as necessidades de cada um em relação às normas”, como a dispensa de máscara em voos para autistas
Conforme a Lei Federal Nº 14.019/2020 ↗, pessoas com autismo (Transtorno do Espectro Autista – TEA), com deficiência intelectual, deficiências sensoriais, crianças com menos de três anos, ou outras condições que impeçam essas pessoas de usar a máscara contra a COVID-19, podem ser dispensadas do uso do equipamento de proteção com declaração médica, obtida por meio digital ou outra de outra forma.
Em maio, baseando-se nessa norma, uma companhia aérea impediu o embarque de uma mãe com filho autista de três anos por não apresentarem um atestado ou declaração médica. Os dois foram retirados do voo pela Polícia Federal. Semanas depois a empresa informou que estava revendo os protocolos e treinando equipes para que situações semelhantes não ocorressem novamente.
O caso ocorreu no dia 16 de maio, quando Taise Pereira, de 29 anos, foi retirada de dentro da aeronave, com seu filho, Bernardo, de 3 anos, que não usava máscara facial de proteção contra a Covid-19. Confira no vídeo abaixo, gravado por outro passageiro do mesmo voo de Recife (PE) para o Rio de Janeiro (RJ), e publicado no Instagram:
A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR), em orientações sobre como voar em tempos de COVID-19 ↗, também menciona a regra. A adequação no atendimento das pessoas do espectro autista nesses casos é importante porque o desenvolvimento das habilidades sociais dessas pessoas pode variar bastante e, muitas vezes, não entendem o contexto social e apresentam dificuldades para interagir e compreender as normas de proteção criadas no âmbito da pandemia.
O Jornalista Inclusivo conversou sobre o assunto com a advogada e palestrante Diana Serpe, especialista em Direito da Pessoa com Deficiência e criadora do “Autismo e Direito”, com perfis no Instagram ↗ e no Facebook ↗. Diana respondeu às perguntas que leitores enviam ao JI, através do e-mail: contato@jornalistainclusivo.com
Confira a entrevista:
Quais são os passos para obter a declaração médica por meio digital?
A Declaração médica digital é o relatório enviado pelo médico de forma digital, assinado digitalmente. Basta a pessoa interessada agendar uma consulta e solicitar ao médico o relatório que deve conter o diagnóstico e impossibilidade de utilizar a máscara.
Para não perder a viagem, o que fazer de prático se, no momento do embarque, a companhia impedir quem não apresentar atestado ou declaração médica?
A companhia não pode impedir o passageiro de embarcar ou voar baseado na falta da máscara. Isso porque, no parágrafo 7º, do art. 3-A da Lei Federal 14.019/2020 autoriza a dispensa do uso de máscaras para pessoas dentro do TEA.
§ 7º A obrigação prevista no caput deste artigo será dispensada no caso de pessoas com transtorno do espectro autista, com deficiência intelectual, com deficiências sensoriais ou com quaisquer outras deficiências que as impeçam de fazer o uso adequado de máscara de proteção facial, conforme declaração médica, que poderá ser obtida por meio digital, bem como no caso de crianças com menos de 3 (três) anos de idade.
Em caso de descumprimento da Lei Federal por parte da companhia aérea a pessoa deve apresentar os documentos que comprovem sua condição, também é importante que a pessoa tenha impressa a lei 14.019/2020 para apresentar caso haja descumprimento.
Caso o passageiro não consiga embarcar, o que é recomendável fazer para reaver a passagem, por exemplo. Seria o caso de processar a companhia?
O passageiro deve solicitar à empresa declaração por escrito que não permitiu o embarque do passageiro pela falta de utilização da máscara. Caso nenhum dos argumentos seja levado em consideração, o passageiro ao ser proibido de embarcar deve fazer um boletim de ocorrência. Havendo violação dos direitos do passageiro é possível acionar a Justiça. Dependendo da situação, é possível que a expulsão do voo ou proibição embarque seja passível de indenização por danos morais.
Todas as empresas aéreas que atuam no Brasil já estão atendendo e garantindo o embarque dessas pessoas com dificuldades para seguir as normas de proteção?
Espero que todas as companhias estejam dando o efetivo cumprimento à Lei 14.019/2020. É muito importante que todas as companhias aéreas estejam preparadas para lidarem com essas situações de forma adequada. Imprescindível que os funcionários sejam preparados para lidarem com a situação de acordo com a legislação em vigor, e antes de qualquer medida contrária aos passageiros, certifiquem-se de que estão agindo de acordo com a lei sob pena de violar direitos individuais e da personalidade.
Segundo a assessoria de imprensa da Associação Brasileira de Empresas Aéreas (ABEAR), “existem procedimentos e orientações diferentes para cada empresa aérea sobre este tema. Por isso recomendamos o contato individual com cada uma delas”. Segundo a ABEAR, a Azul não faz parte da entidade no momento.
Quanto ao ocorrido em maio, quando uma companhia impediu o embarque da mãe e filho autista de três anos, qual foi o desfecho?
Desfecho segundo notícias da mídia: após a saída da aeronave, a mãe teve que assinar um termo de próprio punho declarando que o filho era isento do uso de máscara. A companhia aérea remarcou o voo após esforços da mãe. Ela e a criança ficaram hospedadas em um hotel custeado pela empresa de aviação. Abalada com a situação, porque considera que o filho foi exposto e humilhado, a mulher pretende entrar com uma ação por danos morais contra a empresa.
Como pode ser feita a comprovação de que a pessoa é autista?
Para comprovar que a pessoa é autista não é obrigatório relatório médico. Pode ser comprovado por meio do RG com a identificação do CID, por meio da CIPTEA ou por meio do relatório médico. Além de estar com a documentação pessoal e a Lei 14.019/20 impressa na ocasião do embarque, recomenda-se, antes da viagem, que o passageiro entre em contato com a companhia aérea para tirar dúvidas sobre as políticas da empresa a respeito dos passageiros que não conseguem e estão legalmente dispensados de usarem máscara no avião. Também com antecedência o passageiro pode, através do envio do MEDIF (Medical Information Form), informar a companhia de sua condição. Para preencher o documento, o passageiro deve obter o formulário junto à companhia aérea contratada. Geralmente, as empresas disponibilizam o arquivo para download em seus sites. Com tais medidas é possível evitar a violação do direito em permanecer na aeronave com a dispensa do uso da máscara nos termos da Lei 14.019/2020.
Para imprimir a Lei Federal Nº 14.019/2020, basta acessar o link: https://jornalistainclusivo.com/wp-content/uploads/2021/06/Lei-14019-2-de-julho-de-2020.pdf
SOBRE DIANA SERPE:
Advogada Associada na Serpe Sociedade de Advogados, Diana Serpe atua nas áreas de Direito da Pessoa com Deficiência e Planos de Saúde. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista (Unip), é especialista em Processo Civil e Direito Civil pela Faculdade Damásio de Jesus e Direito Empresarial pela Unip. É palestrante em Direito da Pessoa com Deficiência, com ênfase nas áreas de direito de saúde e direito da educação. Tem forte atuação em ações relacionadas a negativas dos planos de saúde em relação ao tratamento multidisciplinar do autista e fornecimento de canabidiol e para tratamentos e fornecimentos de medicamentos de alto custo para doenças raras.
LINKS ÚTEIS:
- Site da Serpe Sociedade de Advogados: www.serpe.adv.br ↗
- Facebook @autismoedireito: www.facebook.com/autismoedireito ↗
- Instagram @autismoedireito: www.instagram.com/autismoedireito ↗
- LinkedIn Diana Serpe: www.linkedin.com/in/diana-serpe-9173285b ↗
- Como Será Voar de Novo? (ABEAR): www.abear.com.br/direitos-do-passageiro ↗
Editor na Jornalista Inclusivo e na PCD Dataverso. Consultor em Estratégias Inclusivas e Gestor de Mídias Digitais. Formado em Comunicação Social (2006). Atuou como repórter, assessor de imprensa, executivo de contas e fotógrafo. Ativista dedicado aos direitos da pessoa com deficiência, redator na equipe Dando Flor e na Pachamen Editoria.
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