Legenda descritiva: Crianças tocam tambores azuis em uma oficina de percussão em Cuiabá, acompanhadas por uma mulher com turbante vermelho e outra jovem em frente a um microfone. (Foto: Divulgação/Casarão das Artes)
Celebrando o Autismo com inclusão e acolhimento que transformam vidas no Mato Grosso.
Em 2 de abril, o mundo se une para celebrar o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo, uma data instituída pela ONU em 2007. O objetivo central é amplificar a compreensão sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), combater o preconceito e promover a inclusão, visando uma melhor qualidade de vida para as pessoas autistas. No Brasil, estima-se que existam cerca de 2 milhões de pessoas com TEA, segundo dados do Governo Federal. Globalmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 1 em cada 100 crianças no mundo tenha autismo ↗, com estudos recentes indicando números ainda maiores, podendo alcançar 6 milhões de autistas no Brasil. Essas estatísticas reforçam a urgência de ações concretas e políticas públicas eficazes para garantia de direitos e bem-estar.
Iniciativas da periferia à comunidade indígena mato-grossense
Para marcar este dia, a reportagem da Oráculo Comunicação ↗ destaca iniciativas da periferia à comunidade indígena em Cuiabá (MT), que demonstram o poder da arte e da cultura como ferramentas de inclusão e transformação social. Organizações comunitárias, redes de apoio e famílias acreditam cada vez mais que a integração e valorização de crianças, jovens e adultos autistas em espaços artísticos e culturais podem gerar um impacto profundo, não apenas em suas vidas, mas em toda a sociedade, tornando-a mais humana e acolhedora. A psicóloga Cinthia Mattos, entrevistada nesta reportagem, ressalta um ponto crucial:
“Além do acesso a tratamentos e educação adequada, é fundamental reconhecer a diversidade inerente ao espectro autista e respeitar as diferentes formas de existência.”
O potencial e a diversidade de autistas em Cuiabá
Para entender como esse cenário inclusivo está sendo construído em Cuiabá, a reportagem conversou com protagonistas que lideram a mudança de paradigmas e a eliminação de estigmas e preconceitos, através do acolhimento e da valorização da presença autista em diversos ambientes, especialmente nas atividades artístico-culturais.
No Coração do Pedra 90: Arte e Inclusão no Casarão das Artes
Localizado no Pedra 90, o maior bairro de Cuiabá e uma região com cerca de 23.917 moradores segundo o IBGE, o Instituto Cultural Casarão das Artes ↗ se destaca como um gerador de oportunidades e integração. O Pedra 90, embora populoso, apresenta indicadores socioeconômicos que refletem os desafios de uma região periférica, tornando o trabalho do Casarão das Artes ainda mais relevante, ao levar acesso à cultura e formação artística para uma comunidade que muitas vezes enfrenta barreiras ainda maiores.
Vini Hoffman, um dos criadores do Casarão das Artes em 2013, explica que o espaço oferece atualmente doze atividades de formação artístico-cultural, uma feira de economia criativa, cineclube dominical, biblioteca comunitária, lanche e algumas bolsas de auxílio para alunos regulares. Tudo isso é oferecido gratuitamente ou a preços acessíveis para a comunidade e seu entorno, priorizando a inclusão de pessoas com TEA e outras deficiências.
“O Casarão se mantém com patrocínios e doações e leva para a periferia da capital, atividades que muitas vezes só acontecem em bairros mais próximos do centro da cidade,” afirma a reportagem. Crianças e jovens diagnosticados com autismo frequentam regularmente as atividades, graças à parceria com outras instituições de apoio a famílias atípicas. Apesar do sucesso em manter a frequência, Vini reconhece os desafios: “A flutuação de alunos ainda acontece, muitas vezes devido à dificuldade de deslocamento e a agenda dos pais, que precisam se desdobrar para o atendimento dos filhos.”
Gabriela Silva, mãe de duas filhas, sendo uma autista nível 2 de suporte, é uma das beneficiárias do Casarão. Ela relata a transformação de sua filha mais nova desde que começou a frequentar o espaço cultural:
“Ela era bem mais rígida, só chorava , não se aproximava das crianças, não permitia contato físico, não ficava perto da caixa de som por conta da música. Hoje já é super tranquila lá, muito raro o dia em que ela vai chorar por algo que a fez desregular; ela é super apegada as “tias” do Casarão, permite algumas crianças pegar em sua mão”.
Para Gabriela, o acolhimento da equipe do Casarão e a forma como interagem com as famílias e alunos autistas são diferenciais cruciais para a qualidade de vida de todos. “O acolhimento do Casarão é especial, pessoas maravilhosas, nos acolheram muito bem. Tenho certeza que quanto mais ela estiver ali, diante de todos, tendo esse acolhimento, irá evoluir muito mais, claro que dentro das suas possibilidades”, conclui.
Autismo e a Perspectiva Indígena: Um Diálogo Necessário na Casa do Vituká
A reportagem avança para um tema delicado e fundamental: a vivência do autismo em comunidades indígenas. Mato Grosso abriga uma rica diversidade de povos originários, com uma população indígena de 58.231 pessoas, conforme o Censo Demográfico 2022 do IBGE ↗, distribuídas em mais de 44 etnias, com falantes de 35 línguas indígenas e com culturas e tradições próprias. Dentro desse contexto, a compreensão e o manejo de deficiências, incluindo o autismo, demandam sensibilidade cultural e abordagens específicas.

A Casa do Vituká*, espaço de formação artística e cultural em Cuiabá ↗, promoveu uma sessão de vídeo com apoio de especialistas médicos para discutir a temática do autismo entre indígenas. O ponto de partida foi o vídeo “Kaimanepá”, produzido pela jornalista e mestre em antropologia social Helena Indiara Corezomaé ↗, que narra a história de Isaac Amajunepá, seu marido, e do filho do casal, Kaimanepá.
Isaac e Helena, pertencentes ao povo indígena Balatipone/Umutina (Barra do Bugres – MT), compartilham sua jornada como pais atípicos, abordando as relações culturais de Kaimanepá tanto na cidade quanto na aldeia. A sessão de vídeo proporcionou aos participantes a compreensão da diversidade cultural dos mais de 300 povos indígenas existentes no Brasil, ressaltando que a abordagem do autismo varia significativamente entre cada etnia e em comparação com o contexto urbano.
Questionado sobre a educação indígena e como lida com as necessidades do filho, Isaac relembra sua própria infância, marcada pelo convívio próximo com a natureza e a família. Ele busca replicar esse aprendizado com Kaimanepá, levando-o para pescar e para a roça, atividades centrais na cultura Balatipone/Umutina.
Isaac também destaca o cuidado materno e as trocas culturais vivenciadas na infância, contrastando com a realidade urbana: “Essa relação de um cuidar do outro ou de se preocupar é muita do viver indígena, de morar na aldeia, de conhecer todo mundo, de brincar no final da tarde. Essa relação é construída na infância, muito diferente da cidade”, explica ele.
Ao receber o diagnóstico de Kaimanepá, Isaac relata o impacto na família e a necessidade de buscar terapias e cuidados especializados. “Tudo isso pesou muito na balança, porque a gente não tinha uma estrutura financeira para poder cuidar do Kaká. Éramos apenas dois estudantes, eu ainda cursando engenharia e ela terminando o mestrado, nos mantínhamos com bolsa de estudos e diárias que eu fazia a noite como garçom na pizzaria”, frisa ao mencionar que os tratamentos são caros e às vezes inacessível para famílias com baixa renda.
Diante das dificuldades, o casal optou por Helena continuar trabalhando enquanto Isaac se dedicava aos cuidados diários e aos encaminhamentos de Kaimanepá, como terapias e escola. “Hoje estamos mais preparados do que antes e com a consciência de que teremos em casa uma eterna criança, pura, sem maldade alguma do mundo e feliz do jeitinho dele. O kaká faz terapias de segunda a quinta, é muito puxado, então a gente vai pra aldeia apenas no final de semana, mas sempre levo ele pra pescar no rio. Ele ama ir na casa da minha mãe, sabe que lá tem o balanço dele e uma roça no quintal, porque ele tem uma ligação muito forte com plantas e peixes e é um menino amado por todos da família”, encerra Issac, transmitindo uma mensagem de amor, resiliência e esperança.
Mais informações sobre o Instituto Cultural Casarão das Artes no link: https://linktr.ee/Institutocasaraodasartes ↗
- O que é Vituká?
Na cosmogonia Terena, Yurikoyuvakái [os seres criadores] tiraram os Terena e outros humanos debaixo da terra. Vituká – o bem-te-vi, foi quem escutou os humanos e chamou Yurikoyvakái. Assim, os irmãos gêmeos ensinaram aos Terena o uso do fogo e das ferramentas agrícolas, é ainda passado de geração a geração e distribuiu a humanidade pelo mundo.
Saiba mais sobre a Casa do Vituká e outros projetos no link: https://oraculocomunica.eco.br/ ↗