Uma conversa sobre ser e saber viver com um ícone do Paradesporto Brasileiro
Além das águas com Daniel Dias
Vivemos hoje em um universo cruel e individualista. Qualquer cenário está apto a se transformar em disputas, principalmente de ego. Assim, o tempo todo vemos pessoas tentando fazer com que a autoestima do outro despenque. Nesse contexto, referências surgem a fim de trilhar o caminho que, futuramente, poderá ser seguido por nós. Basta estabelecer objetivos e ter determinação para alcançar tais marcas.
Como abertura da coluna Sem Barreiras, o Jornalista Inclusivo traz, agora, um bate papo sobre o Paradesporto e a vida com o maior Atleta Paralímpico Brasileiro : Daniel Dias.
O nadador de 32 anos nasceu ao sétimo mês de gestação de sua mãe, que se deparou com o fato de que seu filho não tinha os braços e as pernas. Três anos depois, a família recebeu a notícia de que Daniel precisaria passar por cirurgia para conseguir usar próteses. O procedimento foi realizado em Março do mesmo ano, na cidade de Campinas, interior de São Paulo. O menino, na época com três anos de idade, começou utilizar tais recursos. Contudo, o caminho foi longo. Necessitou de treinos específicos para se adaptar aos equipamentos.
“Eu acredito que o esporte tenha mudado a minha vida. Aprendi muito sendo atleta. Os valores de respeito, igualdade, humildade e disciplina ficaram muito fortes pra mim. Acredito que amadureci com o passar das fases da minha carreira. Eu me esforço para que eu possa ser uma pessoa melhor a cada dia”, revela o multicampeão.
Símbolo do Movimento Paralímpico Brasileiro , o esportista foi descobrindo as suas paixões ao longo da trajetória. Ao contrário do que muitos pensam, a vida de um atleta não se resume a treinos, competições e restrições. Fora das piscinas, Daniel mostrou intimidade com a bateria – instrumento que aprendeu tocar quando cursava o ensino fundamental. No mundo dos livros, ele afirma que a Bíblia Sagrada é sua obra predileta.
Todos que iniciam na realidade do Paradesporto almejam, sem dúvidas, atingir o nível de rendimento do nadador, seja em qualquer modalidade. Entretanto, a maioria das pessoas enxergam somente o resultado final, as glórias. Elas não estão dispostas a passar pelas rotinas exaustivas de treinamentos e, muito menos, mudar seus hábitos e seu modo de ser.
“O alto rendimento é muito exigente. É preciso ter muita disciplina e dedicação. A rotina de treinamento é bem intensa, mas hoje eu acredito que eu tenha conseguido encontrar um bom equilíbrio. Eu treino na piscina e na academia de segunda a sexta-feira, mas separo os finais de semana para ficar com a minha família, pois eu entendi que estar bem psicologicamente é muito importante para a minha performance também”.
Esse equilíbrio destacado pelo detentor de oito medalhas de ouro nos Jogos Parapanamericanos Rio 2007 é fundamental para que o sucesso seja alcançado, tendo em vista que muitos Paratletas pecam pelo excesso, pelo desejo de superar seus limites e acabam não só abalando suas carreiras, mas também perdendo parte de sua essência.
No mundo dos esportes, em geral, os indivíduos são comumente colocados como máquinas de resultados, seja pelo mercado que envolve as grandes competições ou mesmo pelas ambições das equipes. Todavia, nós somos pessoas movidas pela emoção. Às vezes, elas podem ser antagônicas em questão de segundos e nem mesmo nossa própria mente é capaz, em suma, de fazer a leitura correta e encontrar saídas.
Nas Paralimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, Daniel Dias chegou à marca de quatro medalhas de ouro, três de prata e duas de bronze e afirma:
“Acho que o final do ciclo Rio 2016. Após a Paralimpíada eu repensei muitas coisas e mudei completamente minha equipe multidisciplinar e minha forma de treinar. Foi necessário. Foi necessário também entender o porquê de estar competindo, e qual era o meu objetivo para os próximos quatro anos. Usei minha maturidade e calma para tomar as decisões e coragem para enfrentar todas as mudanças. Hoje, fico feliz de ter passado por esta fase, pois me deixou mais consciente de que atleta eu sou, o que posso representar e o que posso fazer de bom para o esporte”.
Ainda sobre a Rio 2016, o entrevistado debateu sobre o tamanho do legado do evento, em termos esportivos e também administrativos, como a mudança no tratamento do Esporte Adaptado no Brasil.
“A Paralimpíada Rio 2016 foi um divisor de águas. O esporte paralímpico brasileiro ganhou mais evidência e fãs. As pessoas com deficiência começaram a perder a vergonha e se encorajaram a buscar uma oportunidade no esporte. E o Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro é o verdadeiro legado dos Jogos. É uma estrutura de referência mundial que hoje pode abraçar um grande grupo de atletas nos mais diversos níveis de performance. O esporte paralímpico passou a ser mais conhecido e respeitado, e isso me traz esperança de caminhos melhores para a próxima geração de atletas”.
O Comitê Paralímpico Brasileiro vem, ao longo dos anos, procurando estratégias para democratizar o Paradesporto em um cenário geograficamente maior. Eventos como as Paralimpíadas Universitárias e, principalmente as Paralimpíadas Escolares, promovem com excelência essa mudança no patamar de rendimento de centenas de jovens, sendo verdadeiros celeiros de futuros talentos.
Como Paratleta e, acima de tudo pessoa com deficiência, eu precisava terminar esse artigo dividindo uma reflexão e ouvindo a voz de um cidadão com uma visão bastante ampla:
O que é saber viver?
“Saber viver é saber valorizar os pequenos detalhes. É ser grato pelas oportunidades que aparecem. É sorrir e fazer o bem. É acolher e ser acolhido. É saber escolher”, define Daniel Dias.
A frase do nosso personagem que encerra essa edição da Sem Barreiras é:
“Não é uma deficiência que nos define. O que nos define está dentro de cada um de nós”.
Além das águas com Daniel Dias: A despedida de uma lenda!
Assista abaixo, no Instagram oficial do Comitê Paralímpico Brasileiro, a despedida da lenda do Paradesporto, considerado o maior nadador paralímpico da história com 24 medalhas paralímpicas, 40 medalhas em Mundiais e 33 em Jogos Parapan-Americanos.
Confira também o site do Daniel Dias, neste link: https://danieldias.esp.br/ ↗
O Jornalista Murilo Pereira dos Santos é Paratleta pela categoria BC1 de Bocha Paralímpica Ituana. Ele é editor do "Prosa de Gol" (@prosadegol), nas redes sociais, e da página "Sem Barreiras" (@_sem_barreiras), esta última oriunda do seu blog, que também dá nome a sua coluna aqui no site Jornalista Inclusivo, sobre paradesporto e outras questões relacionadas a paralisia cerebral, acessibilidade e inclusão.
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