Aos 21, estudante de jornalismo com paralisia cerebral mostra que se fosse fácil, não teria o inestimável valor que tem
“A busca da evolução através da leveza de simples momentos” é tema central de ‘Sob um outro olhar’ – o 1º artigo de 2021, da coluna Sem Barreiras. Confira:
Tudo começou logo nos primeiros meses de vida. Os mais variados tratamentos na paralisia cerebral ↗ eram necessários para que a corrida contra o tempo valesse a pena, e que eu pudesse evoluir física e individualmente. A motivação que me trouxe até a escrita desse artigo é muito simples: noto que outras inúmeras pessoas com deficiência ↗, que também enfrentam questões desse universo, o encaram como uma espécie de martírio.
E essa visão, evidentemente, compromete de forma profunda os resultados dos esforços cotidianos.
É verdade que alguns fatores indiretos acabam determinando o impacto de certas situações. Um deles e, na minha opinião, o principal é a fundamental participação da família. Particularmente, quando eu nasci, minha mãe optou por abdicar do mercado de trabalho para poder me acompanhar nas atividades como:
- Fisioterapia;
- Hidroterapia;
- Fonoaudiologia;
- Terapia Ocupacional;
- Equoterapia.
Mas sabemos, no entanto, que na maioria dos casos tal possibilidade é inviável, por muitas razões particulares, e que dependem de cada realidade. Então, é preciso encontrar alternativas para que a rotina seja saudável a todos os membros envolvidos e que, principalmente, a pessoa que está como paciente não se sinta um incômodo para seus familiares.
Acredito que uma das falhas das pessoas, e que também abala a evolução, é enxergar os tratamentos físicos, como a fisioterapia, por exemplo, como impessoais. Quando faço essa afirmação, comparo com realidades de abordagem psicológica. Imaginemos o seguinte caso:
Para que um objetivo em comum seja alcançado, uma confiança entre profissional e paciente é imprescindível. Só assim, os dois serão capazes de encontrar e traçar o melhor caminho para chegar ao destino desejado.
Assim como é na fisioterapia, nas demais modalidades não é diferente. É através de um diálogo aberto, obedecendo a hierarquia e capacidades existentes, que se encurtam os processos. E o mesmo vale na questão de motivação, que é ajustável caso a caso.
Por isso, é vital um trabalho de longa duração, com metas e mensuração dos resultados durante o processo. Tendo em vista a minha idade, passei por poucos profissionais. Novamente, usando a fisioterapia para ilustrar, durante quase toda a minha infância, somente uma pessoa foi responsável pelas sessões. Na adolescência, o cenário se repetiu. Foi um trabalho de nove anos, praticamente uma década.
Sob um outro olhar: Rotatividade
Há pessoas que defendem que a troca, justamente nos momentos de transição de fases da vida, soe como positiva, uma vez que os moldes do atendimento também se alteram. Além disso, também pode ser difícil para que somente um mesmo profissional identifique o momento certo de modificar a abordagem e o andamento da evolução.
Nessa mesma linha, vejo que quando existe uma esperança real percebida nas atitudes da pessoa que está como paciente, até a dedicação emprenhada é outra. É o simples fato do sentimento mútuo de que estão fazendo aquilo juntos – principalmente nos exercícios físicos, quando a companhia presencial e motivacional faz toda diferença em muitos casos e pessoas diferentes.
Ainda envolvendo a relação entre empenho e confiança, essas podem se tornar o combustível para que o cotidiano, às vezes repetitivo, não desmotive o indivíduo. Sempre passei muito tempo nas clínicas onde realizo tratamentos de reabilitação. Logo, procurei construir amizades nesses ambientes para que se tornassem leves. Consequentemente, o tempo das sessões se esgota sem que ao menos eu perceba. Ao longo dessas horas, conversamos, nos abrimos, damos muitas risadas e o essencial: encontramos alicerce. Todo esse cenário faz com que, quase sempre, eu não sinta o peso e as dores dos esforços físicos, e ultrapasse meus limites com uma naturalidade assustadora.
Por tais saídas secundárias, busco ânimo para executar a mesma rotina, nos mesmos lugares, há vinte e um anos.
Parte de cada um estabelecer motivações e caminhos para alcançar o que entende ser o melhor para si. Em certas situações, o lamento pode até ser conforto momentâneo, mas a longo prazo, certamente fará da tarefa desgostosa ainda mais pesada mentalmente, além de bloquear os ganhos que ela, de modo inevitável, traria.
O Jornalista Murilo Pereira dos Santos é Paratleta pela categoria BC1 de Bocha Paralímpica Ituana. Ele é editor do "Prosa de Gol" (@prosadegol), nas redes sociais, e da página "Sem Barreiras" (@_sem_barreiras), esta última oriunda do seu blog, que também dá nome a sua coluna aqui no site Jornalista Inclusivo, sobre paradesporto e outras questões relacionadas a paralisia cerebral, acessibilidade e inclusão.