Um exercício de empatia sobre a mãe solo na pandemia
Ativista, jornalista, empreendedora social e gestora da Soluções Inclusivas Daniela Rorato ilustra o artigo “Não quero ser guerreira”, com fotos de mães solo do Recife para o site JI
De todas as violências sociais que existem no Brasil e que se tornam mais avassaladoras neste momento pandêmico, venho falar sobre uma que talvez seja invisível para a grande maioria e que, apesar de vivenciada por muitas mulheres, não é objeto de atenção, nem da alteridade coletiva. Gostaria de propor um exercício de empatia sobre “a mãe solo da criança com deficiência na pandemia”.
A cultura patriarcal do Brasil banalizou o abandono paternal de um modo que cerca de 5,5 milhões de crianças não possuem o nome do pai na carteira de identidade. O abandono de um filho pelo pai é descriminalizado na cultura de nosso país. E, a romantização de um homem que troca fralda ou dá uma mamadeira para o filho, fazendo seu papel de pai, pasme, é ainda objeto desta sociedade estruturalmente conservadora.
Procure no dicionário pelos sinônimos da palavra patriarcal ↗ e encontrarás uma infinidade de bons adjetivos: “respeitável, venerando, venerável, complacente, benevolente, benigno, bondoso, caridoso, generoso, humano, misericordioso, pacífico”, só para citar alguns.
Agora faça a busca para sinônimos ou etimologia e significado da palavra matriarcado ↗. O que se vê basicamente é um relato breve sobre as culturas antigas ou tribos onde a mulher seria líder da família. Somos enquadradas, na maioria das vezes, dentro da dimensão religiosa e moral, onde a palavra é associada à adoração de divindades e deusas femininas da fertilidade ou da maternidade. Etéreas e sublimes, mas nunca reais. O ponto de partida é este: coexistimos.
Assim, a etimologia e os conceitos de palavras tão poderosas foram ensinados por gerações. A todo momento estão sendo realizados estudos, novos documentos gerados por fatos e esforços que nós, mulheres, nos desdobramos para inserir na história da humanidade, como registro histórico de um tempo onde ainda temos que lutar para pertencer. Como dizem por aí “dias mulheres virão”.
Então, assim é este meu relato íntimo de mãe solo, desabafo motivado por estes tempos pandêmicos, que almeja colocar holofotes sobre as suas sorores espalhadas por aí e em situação vulnerável, enfrentando a solidão de ser mãe e cuidar de alguém na pandemia.
Exaustão, medo e luta combinam com o adjetivo de “guerreira” que a sociedade teima em nos fixar. Mas, a verdade é que não queremos ser guerreiras e é muito esgotante ter que lutar por um sistema social que deveria trabalhar a nosso favor.
Vivemos num país onde a condição de mãe cuidadora sequer é reconhecida e não existem políticas intersetoriais e de acolhimento dignas para essa mulher. A estatística piora quando nasce um filho com deficiência, onde 70% das mulheres são abandonadas pelo pai da criança e elas se tornam mães cuidadoras por 24h. A equação é simples: tem alguém que cuide do filho, ela pode pensar em trabalhar e fazer uma jornada tripla. Caso não, ela é cuidadora 24h.
Muito se fala de como as mães estão sobrecarregadas na pandemia, com trabalho remoto e filhos dentro de casa. Tenho alguns questionamentos para fazer à mãe solo na pandemia. Sugiro um exercício de empatia, passando por um recorte socioeconômico. A situação mais dura e que menos se vê nas matérias da televisão. A mãe periférica, a mãe sem emprego, sem creche, dependente de auxílio emergencial que caiu pela metade, uma boa parte das mães solo brasileiras.
- Com quem você deixará seu filho para ir trabalhar se as creches estão fechadas?
- Como buscará uma fonte de renda?
- Como fazer para ir ao supermercado e trazer todos os insumos e talvez ainda carregar uma criança pequena no colo, ou levar um ou mais filhos junto?
- Você tem dinheiro para comprar os alimentos?
- E os remédios?
- Tem internet?
- E ânimo?
- Como anda a sua saúde mental, principalmente depois de visitar a rede social e ver todos aqueles egos eufóricos fazendo dancinhas e exibindo suas vidas perfeitas?
- Você se sente sozinha?
A dura realidade sobrecarregada da mãe solo, muitas vezes perpassa pela ausência de afeto. Não existe alguém que lhe enalteça os numerosos esforços diários em prol do filho ou com quem se divida a responsabilidade. Caso tivesse, lhe permitiria sair do estado de alerta constante e ter um sono mais tranquilo. A solidão e carência, muitas vezes, direcionam essas mulheres a relacionamentos abusivos. Vide as estatísticas de violência contra a mulher durante a pandemia.
Ser chamada de guerreira é ver uma dura rotina ser eufemizada com armaduras que não queremos carregar. Não aguentamos mais lutar. Queremos pertencer.
Mãe do Guto, empreendedora social e gestora da Soluções Inclusivas (@sejainclusive ↗). Ativista em defesa dos direitos das pessoas com deficiência (PcDs), especializada em políticas públicas para PcDs, ex-assessora da Frente Parlamentar em Defesa das PcDs de Pernambuco. Foi Vice-Presidente fundadora da ONG AMAR, com prêmios como a Medalha do Mérito Heroínas do Tejucupapo e o Prêmio Tacaruna Mulher. Criou o projeto “mãelitante” para ajudar e unir mães de crianças com deficiência através da sororidade.
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