Justiça inova e pai perde direito à herança por abandono de filha com deficiência

Juiz segurando martelo de madeira em sala de tribunal, representando decisão da justiça que exclui direito à herança por abandono de filha com deficiência.

Legenda descritiva: Mão de juiz segurando um martelo de madeira em sala de tribunal, representando decisão inédita de exclusão de herança por abandono afetivo de incapaz. (Imagem: Gerada por IA)

O peso da ausência e a força da lei: advogada explica caso de pai que perdeu direito à herança por abandonar filha com deficiência.

A 12ª Vara da Família e Sucessões do Tribunal de Justiça de São Paulo tomou uma decisão marcante ao excluir um pai como herdeiro dos bens de sua filha falecida, uma pessoa com deficiência. A decisão foi baseada na comprovação de abandono material e afetivo durante a vida da filha, uma evidência do reconhecimento do abandono no direito sucessório.

A advogada Patrícia Valle Razuk, especialista em Direito de Família e Sucessões, do escritório PHR Advogados, explica que o Código Civil prevê a exclusão de herdeiros indignos em situações como crimes contra o autor da herança ou impedimento de dispor livremente de seus bens, mas a jurisprudência vem se ampliando para incluir também o abandono afetivo. O TJ-SP levou em consideração que a filha, por ser incapaz, não poderia manifestar sua vontade por testamento, um ato personalíssimo. Assim, o Judiciário supriu essa lacuna e aplicou a exclusão com base no desamparo material e afetivo.

Causas legais para exclusão de herança

Quando questionada pela redação sobre as principais causas previstas no Código Civil para a exclusão de um herdeiro da herança, Razuk esclarece:

“O Código Civil (Lei Nº 10.406/2002) traz no artigo 1.814 quem são as pessoas que podem ser excluídas da sucessão, caso tenham praticado algumas ações contra aquele cuja sucessão se tratar, são elas: se foi autor ou participou de homicídio consumado ou tentado contra o seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; se caluniou em juízo o autor da herança ou praticou crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro ou quem por violência ou meios fraudulentos, inibir ou impedir que o autor da herança disponha livremente de seus bens por ato de última vontade.

O herdeiro descendente ou ascendente também poderá ser declarado indigno pelo próprio autor da herança, por declaração expressa pela via do testamento, caso se enquadre em uma das seguintes situações: ofensa física, injúria grave, relações ilícitas com a madrasta ou o padrasto, no caso dos descendentes com a mulher/marido ou companheira (o) do (a) filho (a) ou do (a) neto (a) no caso dos ascendentes e desamparo do ascendente ou filho/neto em alienação mental ou grave enfermidade.

Na hipótese de deserdação pelo testamento, caberá ao herdeiro que aproveite a deserdação provar a veracidade da alegação do autor da herança em seu testamento, no prazo de quatro anos contados a partir da abertura do testamento.”

Impacto da decisão do TJ-SP na jurisprudência

Sobre como a recente decisão do TJ-SP amplia o entendimento jurídico sobre a indignidade sucessória, a advogada comenta:

“A recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que excluiu um pai da herança por abandono material e afetivo, segue o entendimento no sentido de reconhecer o abandono como uma violação dos deveres familiares e por isso, como um motivo plausível de deserdação pela via testamentária. Ela inova diante do fato de não ter havido um testamento pela autora da herança, que era a filha incapaz do herdeiro deserdado, que nunca pode deixar um testamento em razão de sua incapacidade, mas certamente assim teria agido caso fosse uma pessoa com capacidade civil.”

Sobre a relevância do caso em questão, a especialista afirma que essa decisão é um precedente importante para a proteção dos direitos dos incapazes e o reconhecimento do abandono afetivo como motivo para exclusão da herança. “O Judiciário demonstrou sensibilidade ao considerar o abandono em um contexto de vulnerabilidade extrema”, ressalta Razuk.  

A Lei 14.661/2023  incluiu o artigo 1.815-A  no Código Civil e prevê que, em situações de condenação criminal transitada em julgado por crimes contra o autor da herança, a exclusão do herdeiro é automática, sem necessidade de manifestação dos demais herdeiros. A inclusão do abandono afetivo como causa de exclusão reafirma o papel da responsabilidade familiar no contexto sucessório.

Impacto futuro em casos envolvendo pessoas com deficiência

Ao ser questionada sobre como essa decisão pode influenciar futuros casos envolvendo pessoas com deficiência ou em situação de vulnerabilidade no direito sucessório, Razuk conclui:

“A decisão é importante pois centraliza o direito do incapaz, que por uma lacuna legal no sentido de prever a situação fática ocorrida, teve esse direito suprido por uma decisão judicial efetiva. No que diz ao abandono afetivo como justificativa para a exclusão de ascendentes da herança, já vinha sendo admitido pela jurisprudência como admissível há algum tempo, sendo o caso do direito de incapaz associado ao abandono afetivo uma variante muito importante para a construção jurisprudencial acerca da temática.”

Fonte: Patrícia Valle Razuk é sócia e cofundadora do PHR Advogados. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), especialista em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito (EPD).

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Rafael F. Carpi

Editor na Jornalista Inclusivo e na PCD Dataverso. Consultor em Estratégias Inclusivas e Gestor de Mídias Digitais. Formado em Comunicação Social (2006). Atuou como repórter, assessor de imprensa, executivo de contas e fotógrafo. Ativista dedicado aos direitos da pessoa com deficiência, redator na equipe Dando Flor e na Pachamen Editoria.

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