Um breve e sincero relato de uma história de amor e ódio pela paixão nacional brasileira
Em seu novo artigo na coluna Sem Barreiras, Murilo Pereira revela muito mais que o amor pelo esporte, mas todo seu envolvimento e atuação no Futebol de Várzea
Começou como uma relação de opostos. Eu, na inquietude de uma criança, detestava ficar preso em frente a uma TV vendo vinte e duas pessoas correndo atrás de uma bola. Contudo, muitos de meus familiares amavam o futebol e estavam sempre acompanhando. Não me restava outras alternativas a não ser, às vezes, acabar assistindo a um jogo ali e outro aqui.
Muitas vezes, um simples almoço de domingo era mera desculpa para assistirmos a um clássico. E foi acontecendo assim, sem que eu me desse conta. Talvez, o verdadeiro amor construa-se dessa forma: no anonimato, mas nunca deixando de estabelecer raízes profundas e inabaláveis.
Então, meus momentos com os olhos fixos na tela passaram a ser cada vez mais frequentes. Quando falo desse laço íntegro, não trata-se de exagero de minha parte. Poucos meses depois, a criança já sonhava com a modalidade em um futuro distante. Porém, como fazer parte do esporte mais popular do Brasil, uma vez que era cadeirante?
Eu e o Futebol – Comissão Técnica do Kana F. C.
Inocentemente, a solução parecia prática e fácil. Se não poderia contribuir para o resultado de um jogo com gols, passes ou defesas que marcam um campeonato, atuaria nos bastidores, como um técnico, quem sabe. Essa, inclusive, foi a primeira profissão que eu falava que queria exercer. Assim, ao serem formuladas aquelas perguntas precoces sobre faculdade, logo respondia: Educação Física. Com o tempo e sem o extremo entusiasmo infantil, dei-me conta das dificuldades que me seriam impostas e, dessa maneira, o sonho seguiu outros caminhos.
Quando eu tinha, mais ou menos oito anos, meu pai levou-me para ver uma partida de futebol amador de Itu, cidade onde resido. Sempre o ouvia contar sobre as glórias do tal Clube Atlético Juventus e quis conhecer. Para quem conhece, o jogo foi no Estádio Wilson Bellon, um lugar que reflete bem o que é a várzea ↗. Naquele instante, pensei comigo: se o profissional está distante por tantas questões, por que não adentrar nesse universo de realidade ímpar? Foi assim que surgiu, em 2009, o Amigos do Mu. Disputávamos uma competição em um clube da cidade.
A grande paixão
A partir daí, minha identificação pelos gramados só crescia. No dia 20 de Julho de 2011, vivi aquele que, possivelmente, foi o momento que consolidou a relação. Era uma noite de quarta-feira e lá estava eu, em São Paulo, para ver minha primeira partida em um grande estádio, o Pacaembu.
O duelo ficou entre Palmeiras e Flamengo, pelo Campeonato Brasileiro daquele ano. Me lembro detalhadamente de quando entrei no estádio e me assustei com todas aquelas luzes iluminando o grande palco. Fiquei estático por alguns segundos. Por fim, o confronto não teve gols, mas meu coração voltou aquecido para a casa.
No mesmo ano, me joguei em uma experiência que me fez entender o complemento que há entre futebol e amizade. Por causa de amigos em comum, numa tarde calorosa de sábado, fui acompanhar o jogo do Esporte Clube Gole e Gaviões da Fiel. A atmosfera era única: faixas, fumaças coloridas, cantorias, uma dose de nervosismo e, óbvio, muitas risadas. Jamais vivenciei tal energia. Foram anos e anos gritando, xingando e externando todo o amor que somente o futebol é capaz de proporcionar.
Eu e o Futebol – Enfim, a grande oportunidade!
Certo tempo depois veio a oportunidade que tanto esperava. Na virada de 2014 para 2015, recebi uma ligação de amigos, que propunham a criação de um time para a disputa da Série Bronze do Campeonato Varzeano. Parecia meio maluca e enigmática a ideia. Entretanto, aceitei sem pensar. Iniciava-se a trajetória do Kana Futebol Clube, que foi conquistando acessos rapidamente e chegou em seu ápice em 2017, quando foi vice-campeão da Série Prata.
Na equipe, eu fazia parte da comissão técnica. Bem, o conceito de comissão técnica no futebol amador é infinitamente maior do que no profissional, uma vez que a gente que ama o time e quer vê-lo ir para a frente acaba assumindo tarefas além das quatro linhas, como administrar finanças, lidar com as relações entre os jogadores e até mesmo lavar os uniformes.
O Kana durou seis anos. Acima de qualquer coisa, o que levarei comigo para sempre são as amizades que construí através dele e as situações que passei para que pudéssemos atingir nossos objetivos e que me fizeram crescer.
Ao final desse artigo, certamente não conseguirei, em tantos parágrafos, ser capaz de transmitir o significado do futebol para outros indivíduos. O motivo é simples: o esporte ocupa um espaço único e diferente no cotidiano de cada um. Ele assume papeis cruciais para que seus apaixonados alcancem a felicidade. Mas cabe à pessoa, em sua singularidade, compreender a relevância dessa modalidade inexplicável que se chama futebol.
Murilo Pereira
Cursando a faculdade de Jornalismo, Murilo Pereira dos Santos é Paratleta pela categoria BC1 de Bocha Paralímpica Ituana. Ele administra, nas redes sociais, as páginas "Vem Comigo" e "Sem Barreiras", este último oriundo do seu blog que dá nome a coluna aqui no site Jornalista Inclusivo, sobre paradesporto e outras questões.