Legenda descritiva: Três atrizes caracterizadas como Moiras da mitologia grega riem juntas em cena da peça "Hereditaria". Elas vestem figurinos em branco e vermelho, e ao fundo há um grande carretel de madeira com fios estendidos. (Foto: Divulgação)
Com indicações ao Prêmio Shell de Teatro e ao Prêmio APTR, espetáculo terá entrada gratuita nos dias 6, 7 e 8 de fevereiro.
Peça segue em cartaz no Sérgio Porto
“Hereditária”, espetáculo idealizado pela artista Moira Braga, parte da descoberta, aos 7 anos de idade, de uma condição genética rara – Stargardt – que causaria a perda de sua visão, para investigar os múltiplos sentidos da hereditariedade, do genético ao social.
Com duas indicações ao Prêmio Shell de Teatro, nas categorias direção (Pedro Sá Moraes) e Cenografia (Ricardo Siri), além de indicação ao Prêmio APTR, categoria Jovem Talento (Luize Mendes Dias), “Hereditária” voltou aos palcos cariocas no teatro do Espaço Cultural Sérgio Porto e terá quatro apresentações gratuitas: nesta quinta-feira (6), às 17h e às 20h; e nos próximos dias 7 e 8, (sexta e sábado), apenas no horário das 17h. A peça foi contemplada no edital de cultura Pró-Carioca da Lei Paulo Gustavo.
Biografia e a doença de Stargardt em cena
Há quase duas décadas atuando como autora, bailarina e atriz em espetáculos de dança, teatro e no audiovisual, esta é a primeira vez que Moira traz ao palco sua biografia, e tematiza a doença de Stargardt ↗.
“A ideia é dar uma resposta larga sobre de onde vem a doença”, explica Moira, “e abrir a reflexão para um leque mais amplo, investigando o que são nossas heranças e nossa hereditariedade, tudo que chega pra nós através da ancestralidade, tudo que fica pelo caminho, assim como as heranças que escolhemos ter”.
A dramaturgia, composta pela atriz junto com o diretor do espetáculo Pedro Sá Moraes, entrelaça eventos da vida pessoal e dos antepassados de Moira a referências históricas e mitológicas — como o mito grego das Moiras: três irmãs funestas que tecem o destino de todos os seres. Entre o biográfico, o poético e o político, “Hereditária” reflete sobre o quanto de nossas vidas é predeterminado e o quanto temos o poder de escolher.
Mais do que acessibilidade, acesso
Para além de uma contrapartida social, a montagem de “Hereditária” tem a ampliação do acesso na raiz de sua concepção — o que é marca registrada dos trabalhos de Moira. No palco, a idealizadora contracena com duas outras atrizes, Luize Mendes Dias, também intérprete de Libras, e Isadora Medella, também multi-instrumentista.
Além disso, Libras e audiodescrição estão entrelaçadas de forma orgânica desde a dramaturgia até as movimentações de cena, expandindo as fronteiras do que costuma se compreender por “acessibilidade”. “Esse é naturalmente meu ponto de partida”, diz Moira, “quero que o meu trabalho acesse o maior número de pessoas e, por isso, fomos concebendo mecanismos estéticos e dramatúrgicos que proporcionem a expansão desse acesso”.
Hereditária: Um musical diferente
A narrativa, atravessada por canções originais compostas por Sá Moraes, possui uma abordagem estética diferente do que costuma se entender por “Teatro Musical”. A direção musical, assinada por Pedro junto com Isadora Medella, explora as vozes, os corpos e até os objetos cênicos como instrumentos musicais. Nesta forma de fazer teatro, que recebe o nome de Teatrocanção “a musicalidade é o norte que ajuda a encontrar o tom da atuação, a pulsação de cada cena, mesmo quando não há nenhuma nota musical sendo tocada”, diz o diretor, indicado ao Prêmio Shell em 2023 pela direção musical e canções originais do espetáculo “Em busca de Judith”.
O cenário é uma instalação visual e sonora do músico e artista plástico Ricardo Siri. É composto por objetos que, ao serem manipulados (pisados, percutidos, tocados, transportados) produzem os ambientes e sonoridades da peça. Para que pessoas cegas e de baixa visão tenham acesso a este cenário, serão convidadas a entrar no teatro alguns minutos antes da abertura de portas e explorar os objetos cênicos de forma táctil.
Ao contrário dos musicais tradicionais, com números de dança virtuosísticos, a direção de movimento de “Hereditária”, assinada pelo performer, ator e professor da UFBA, Edu O. parte da diversidade de potências de cada corpo para compor gestos e movimentos cênicos. Edu, primeiro professor de dança cadeirante de uma universidade pública brasileira, é uma referência no debate sobre a deficiência nas artes, e traz sua reflexão a respeito do capacitismo, ou “bipedismo compulsório” para a criação de Hereditária.
O projeto é uma correalização das produtoras Grande Mãe Produções, Movimento Falado Ltda., Sá Moraes Produções, com a direção de produção de Jordana Korich.
O impacto social
O capacitismo é um conjunto de ações e perspectivas excludentes que refletem uma realidade social grave. Segundo a PNAD Contínua 2022 do IBGE, o Brasil possui aproximadamente 18,6 milhões de pessoas com deficiência, representando 8,9% da população com 2 anos ou mais. Dentre esse grupo, 63,3% não completaram a educação básica e a taxa de analfabetismo é alarmante, alcançando 19,5%, enquanto apenas 25,6% conseguiram concluir pelo menos o ensino médio. Além disso, as oportunidades no mercado de trabalho são limitadas, com a inclusão dessas pessoas sendo um desafio significativo
“Esta exclusão é uma espécie de herança: de desigualdades ancestrais, de preconceitos enraizados e solidificados em oportunidades que se abrem para alguns e fecham para outros. O projeto Hereditária nasce de um desejo de explorar, de forma criativa, poética, mas também política e lúcida, as diferentes dimensões das heranças que atravessam a vida do indivíduo com deficiência, e da sociedade como um todo”, explica a idealizadora do espetáculo.
Moira comenta ainda que existem boas políticas públicas para pessoas com deficiência, como o percentual mínimo de PCDs em produções artísticas, mas ela alerta sobre a falta de informação da população em geral:
“O que precisamos agora é a ampliação do acesso à informação. Me choca a falta de conhecimento sobre o que estamos fazendo, o que é uma audiodescrição, como faz, porque é necessária. A gente precisa falar muito sobre isso. Precisamos que os patrocinadores se interessem, que o público queira conhecer”, afirma.
Fafá e o reconhecimento nacional
O trabalho de Moira Braga ganhou alcance nacional em 2022, quando participou da novela Todas as Flores, da TV Globo, como a personagem Fafá. “Comecei como preparadora de elenco, trabalhei com todos e acabei entrando para o elenco também”, diz.
Em 2024 foi convidada novamente, para trabalhar na preparação de elenco da novela Renascer. “A novela Todas as Flores tinha a temática da deficiência, a mocinha da novela, interpretada pela Sophie Charlotte tinha deficiência visual, mas Renascer não tinha nada a ver com o tema da deficiência, então me chamaram de volta pelo meu trabalho e não pela temática”, pondera.
“Isso é muito importante pra gente, pessoas com deficiência, sermos chamadas não só para falar da deficiência. A gente quer trabalhar, fazer o que sabemos fazer”, finaliza a artista.
Buscando ampliar o acesso a este conhecimento e estas reflexões, o projeto Hereditária também prevê a realização de uma oficina para artistas e estudantes de artes cênicas e dança, com o foco na promoção de novas abordagens artísticas à acessibilidade.
Serviço: Hereditária / apresentações gratuitas
- Dia 6/02 (quinta), às 17h e às 20h (duas apresentações)
- Dia 7/02 (sexta), às 17h
- Dia 8/02 (sábado), às 17h
Ingressos gratuitos: Distribuição por ordem de chegada, uma hora antes, na bilheteria do teatro.
Local: Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto
Endereço: Rua Visconde de Silva, s/n – ao lado do 292 – Humaitá, Rio de Janeiro – RJ
Duração: 60min
Classificação etária: 16 anos
Acessibilidade: Todas as apresentações contam com acessibilidade atitudinal ou comunicacional para pessoas com deficiência (Libras e audiodescrição). O acesso ao palco principal possui acessibilidade desde a entrada do teatro. O foyer – onde espectadores aguardam o início de uma apresentação – também possui banheiro acessível para pessoas com deficiência.