PL 3239/24 obriga hospitais a fornecer acompanhante para pacientes com deficiência

Vista de costas de uma profissional de saúde empurrando um paciente em uma cadeira de rodas por um corredor de hospital iluminado. (Foto: Depositphotos)

Legenda descritiva: Vista de costas de uma profissional de saúde empurrando um paciente em uma cadeira de rodas por um corredor de hospital iluminado. (Foto: Depositphotos)

Proposta que altera a Lei Brasileira de Inclusão avança na Câmara e gera debate sobre responsabilidade hospitalar, custos e a efetivação de um novo direito.

Brasília, DF, 31 de outubro de 2025 – Um projeto de lei que pode transformar radicalmente o atendimento a pessoas com deficiência em hospitais avançou na Câmara dos Deputados. Aprovado na Comissão de Saúde, o Projeto de Lei (PL) 3239/24 propõe que hospitais sejam obrigados a fornecer um acompanhante para pacientes com deficiência que estejam desacompanhadas e solicitem o apoio.

A medida, que altera a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), muda a responsabilidade das instituições de “permitir” para “prover”, gerando debates sobre custos, implementação e a garantia de novos direitos do paciente.

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De Permitir a Fornecer: A Mudança Estrutural na Responsabilidade Hospitalar

Atualmente, a legislação garante à pessoa com deficiência o direito a um acompanhante durante internações, mas a responsabilidade de levar essa pessoa é do próprio paciente ou de sua família. A nova proposta inverte essa lógica. Para o advogado Gustavo Clemente, especialista em Direito Médico e da Saúde, a mudança é profunda.


“Hoje, a obrigação é permitir e garantir condições para a permanência de um acompanhante. Com a nova lei, o hospital passa a ter uma obrigação de fazer, ou seja, de fornecer ativamente esse profissional. Isso altera o regime de responsabilidade civil da instituição.”

Gustavo Clemente, especialista em Direito Médico e da Saúde

Segundo o especialista, a falha em fornecer o acompanhante, quando solicitado, poderá configurar omissão. “Se o paciente sofrer qualquer dano físico ou moral que poderia ter sido evitado com a presença do acompanhante, o hospital poderá ser acionado judicialmente, inclusive com base no Código de Defesa do Consumidor”, alerta.

Os Desafios Operacionais e Financeiros na Visão do Setor

A implementação da medida traz consigo uma série de desafios práticos. O principal deles, aponta Clemente, é a questão do custeio. “Quem arcará com os custos desse serviço? Os hospitais precisarão renegociar contratos com operadoras de saúde, já que o serviço não está previsto no Rol da ANS. A ausência de previsão contratual pode gerar disputas e desequilíbrio econômico-financeiro nos contratos vigentes.”

A Lacuna da Qualificação: Quem Será o Acompanhante?

Outro ponto crítico levantado pelo projeto é a falta de especificações sobre o perfil do profissional a ser fornecido. A ausência de uma definição clara sobre as qualificações necessárias para o acompanhante gera uma lacuna que precisará ser preenchida pelos próprios hospitais.

“A lei não especifica se o acompanhante deve ser um cuidador, um técnico de enfermagem ou outro profissional. Isso gera uma lacuna que recai sobre o hospital, que terá de definir, contratar, treinar e assumir a responsabilidade por esse profissional. Inclusive, será necessário reforçar os seguros de responsabilidade civil e criar protocolos de conduta para mitigar riscos de imperícia, negligência ou imprudência.”

Gustavo Clemente
Pessoa em cadeira de rodas na recepção de um hospital, ilustrando a notícia sobre acompanhante para pacientes com deficiência.
Descrição da imagem: Imagem desfocada do interior de uma área de recepção de hospital. Em primeiro plano, uma pessoa de costas sentada em uma cadeira de rodas aguarda. Ao fundo, um longo balcão de atendimento com outra pessoa de pé e funcionários do hospital. A iluminação é clara e os tons são neutros, criando uma atmosfera impessoal e representativa de um ambiente de saúde. (Foto: Depositphotos)

O Caminho para a Implementação: Como os Hospitais Devem se Preparar

Mesmo que o projeto ainda precise tramitar por outras comissões antes de ir ao Senado, o especialista recomenda que as instituições de saúde comecem a se preparar. Ele sugere o desenvolvimento de políticas internas, a criação de fluxos claros para a solicitação do serviço e a elaboração de um “Termo de Designação e Ciência”, para que o paciente entenda os limites da atuação do profissional. A conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) também será crucial, dado o acesso do acompanhante a informações sensíveis.

E se a Lei for Descumprida? Direitos e Caminhos para o Paciente

Caso a lei seja aprovada e um hospital se negue a fornecer o acompanhante, o paciente terá caminhos para buscar a garantia de seu direito. “Na esfera extrajudicial, é possível enviar notificação formal ao hospital, registrar reclamações no Procon e na ANS, especialmente se houver negativa por parte da operadora de saúde”, explica Clemente.

Se a via administrativa não for suficiente, a solução é judicial. “Judicialmente, o paciente pode ingressar com uma ação de obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência, solicitando que o juiz determine o fornecimento imediato do acompanhante, sob pena de multa diária.”

O Alerta sobre o Custeio e os Próximos Passos do Projeto

Apesar de reconhecer a nobreza da intenção, o advogado, que também preside o Sindicato dos Hospitais do Estado de Goiás (SINDHOESG), alerta para o risco de a lei se tornar inexequível se não houver uma definição clara sobre a fonte de custeio. “É essencial que o setor hospitalar atue junto ao Congresso, principalmente na Comissão de Finanças e Tributação, para condicionar a obrigação à existência de cobertura e remuneração adequada”, finaliza.

O projeto agora segue para análise nessas comissões antes de uma possível votação em plenário.