Uma análise do capacitismo institucional no Direito, com dados e práticas que revelam a exclusão sistêmica e os impactos na carreira que exigem mudanças urgentes.
O capacitismo, entendido como a discriminação ou preconceito contra pessoas com deficiência, não se manifesta apenas em interações sociais cotidianas, mas encontra terreno fértil nas estruturas institucionais, incluindo o universo jurídico brasileiro. Embora o Direito, enquanto campo regulador e normativo, seja historicamente associado à justiça e à igualdade, ele não está imune às barreiras e preconceitos que limitam a plena participação de profissionais com deficiência. Esse fenômeno, denominado capacitismo institucional, se expressa de maneira sutil e sistêmica, afetando desde processos seletivos até ascensão em cargos de liderança, passando por reconhecimento profissional e remuneração justa.
É importante destacar que o foco aqui não é acusar advogados, magistrados, membros do Ministério Público ou instituições jurídicas de maus profissionais ou preconceituosos de forma generalizada. Pelo contrário, muitos agentes do Direito atuam com ética e compromisso social. Entretanto, o capacitismo institucional revela-se em práticas enraizadas que subestimam ou invisibilizam o potencial de profissionais com deficiência, refletindo-se em decisões estruturais que determinam quem pode ou não ocupar determinadas funções, especialmente aquelas com influência e liderança.
Dados e Práticas que Revelam a Exclusão Sistêmica

Um exemplo emblemático é a realidade enfrentada por jovens profissionais do Direito com experiência sólida, frequentemente relegados a cargos terceirizados ou funções que pagam menos do que o salário-mínimo. Não se trata de desvalorizar essas profissões, que são legítimas e essenciais, mas sim de evidenciar que, para pessoas com deficiência, essas oportunidades muitas vezes não representam escolha, mas sim limitação imposta pelo preconceito estrutural, no qual esses profissionais são considerados inferiores, incapazes de exercer funções de maior complexidade, liderança ou tomada de decisão, mesmo quando possuem qualificação técnica e competência profissional.
Essa subestimação se reflete na escassez de pessoas com deficiência em cargos de liderança no Direito, tanto em órgãos públicos quanto em empresas privadas. Dados oficiais confirmam que apenas 0,43% da magistratura brasileira declarou possuir algum tipo de deficiência (CNJ; PNUD, 2025, p. 22). Entre os servidores do Judiciário, pouco mais de 2% se enquadram nessa condição. O próprio relatório enfatiza que “as barreiras atitudinais ainda são os maiores entraves para a efetiva inclusão das pessoas com deficiência no Poder Judiciário” (CNJ; PNUD, 2025, p. 18).
Outro ponto crítico é a questão do trabalho remoto. É essencial deixar claro que o teletrabalho não é um problema — ao contrário, trata-se de uma ferramenta poderosa de inclusão, que deve ser mantida, ampliada e respeitada. O problema está na forma como ele é usado, muitas vezes, como argumento para negar promoções ou oportunidades de maior responsabilidade. O raciocínio equivocado é de que, por estar em regime remoto, o profissional estaria “menos integrado” ou “menos disponível” — ignorando que o desafio do trabalho já começa no transporte público, uma barreira diária para a sociedade em geral e ainda mais cruel e limitadora para pessoas com deficiência. Assim, o teletrabalho, que deveria ser reconhecido como solução inclusiva, acaba se transformando em justificativa para exclusão, reforçando práticas discriminatórias.
Tokenismo: Quando a Inclusão é Apenas Superficial
Os comitês de diversidade e inclusão e as políticas de ESG (Environmental, Social and Governance) surgem como instrumentos institucionais para mitigar desigualdades, mas, na prática, ainda enfrentam desafios significativos no que se refere à inclusão de pessoas com deficiência. Há uma tendência preocupante: profissionais com deficiência são frequentemente os primeiros a serem considerados para demissões, excluídos de processos de promoção e sem receber o mesmo investimento em capacitação e desenvolvimento de carreira. Essas práticas reforçam a sensação de que, para alguns setores, a presença da pessoa com deficiência é simbolicamente valorizada, mas não efetivamente reconhecida.
É nesse ponto que se insere o fenômeno do tokenismo, conceito essencial para compreender a exclusão velada. O tokenismo consiste em incluir pessoas de grupos minorizados apenas de forma simbólica e superficial, como “peças representativas” para dar a aparência de diversidade, sem que haja transformações estruturais ou reconhecimento real de poder e voz. A palavra token significa “símbolo”. No contexto jurídico, isso se traduz na contratação de profissionais com deficiência apenas para cumprir a formalidade da Lei de Cotas ou compor relatórios de diversidade, mas sem participação efetiva em espaços de decisão, sem possibilidade de promoção e sem investimento em suas carreiras. O tokenismo, portanto, é uma forma sofisticada de capacitismo institucional: mantém o discurso da inclusão, mas perpetua a exclusão prática.
O Impacto na Carreira e a Urgência da Mudança
O impacto do capacitismo institucional e do tokenismo transcende o aspecto profissional, atingindo profundamente a autoestima, autoconfiança e saúde mental dos profissionais. A constante sensação de subestimação, a dificuldade de ser considerado para oportunidades equivalentes e a invisibilização em processos decisórios podem levar, inclusive, muitos profissionais a questionar a continuidade na carreira jurídica. É importante ressaltar que essa crítica não significa desestimular o desejo ou o sonho da pessoa com deficiência de ingressar e permanecer no mundo jurídico. Pelo contrário: trata-se de um chamado para que esse desejo seja respeitado e que as condições estruturais sejam transformadas, garantindo oportunidades justas e acessíveis.
Portanto, o capacitismo institucional no Direito não se resume a atitudes individuais ou preconceitos explícitos, mas se manifesta em estruturas de poder, políticas internas e práticas organizacionais que limitam o crescimento e a visibilidade de profissionais com deficiência. A transformação desse cenário demanda ações concretas: implementação efetiva da Lei de Cotas, valorização real das políticas de diversidade e inclusão, revisão de critérios de promoção e remuneração, investimento em lideranças inclusivas e a criação de ambientes de trabalho que reconheçam as competências e o potencial das pessoas com deficiência como parte integral e estratégica das equipes jurídicas.

O enfrentamento do capacitismo institucional e do tokenismo não é apenas uma questão de justiça social, mas uma necessidade ética e estratégica para instituições jurídicas e empresas que desejam promover equidade, diversidade e aproveitamento pleno do capital humano. Ignorar essas questões significa perpetuar desigualdades e perder talentos altamente qualificados, comprometendo a própria qualidade e credibilidade do Direito no Brasil.
Cabe, por fim, uma provocação: seria o Direito, de fato, uma opção justa para a pessoa com deficiência? A resposta, por ora, exige não apenas reflexão, mas ação transformadora.
Acesse o Diagnóstico sobre Acessibilidade e Inclusão da Pessoa com Deficiência no Poder Judiciário