Uma nova maneira de ver através do Esporte Adaptado
O autor da coluna Sem Barreiras Murilo Pereira traz um breve bate-papo com dois ícones do Goalball, “enxergando seu valor” e suas expectativas para os Jogos de Tóquio
Enfim, em meio a tantas incertezas e mudanças no modo de viver, chegou 2021. O ano traz consigo a principal competição Paralímpica, que fecha mais esse ciclo vitorioso para o Brasil. Durante esse período em que nossos Paratletas ↗ se mantiveram distantes de seus habitats, estratégias pessoais foram traçadas para que se pudesse ter um controle, principalmente psicológico, satisfatório e assim chegar na capital do país do Sol Nascente com o nível de desempenho desejado para a nação.
Na coluna Sem Barreiras de hoje, o Jornalista Inclusivo traz um bate-papo com dois praticantes da modalidade Goalball: Ana Carolina Duarte, de 33 anos e Leomon Moreno, de 27 anos. Com anos de experiência e de destaque nas respectivas categorias, eles dividem conosco um pouco de suas trajetórias, visões de mundo e, claro, a expectativa para a chegada dos Jogos de Tóquio 2020, adiados para acontecer de 24 de agosto a 5 de setembro de 2021.
“Conheci o Goalball através dos meus dois irmãos mais velhos, que também são atletas da modalidade”, iniciou Leomon. Já Ana Carolina ingressou no esporte aos 11 anos, após uma atrofia no nervo óptico, resultado de uma cirurgia para a retirada de um tumor cerebral. Aos 13, foi convidada pelo professor de educação física da instituição em que estudava para se aproximar do Paradesporto.
É quase que um clichê, mas torna-se inviável abordar o Esporte Adaptado e destacar apenas os feitos desportivos. A realidade costuma ser um verdadeiro abre-alas para a vida social dos indivíduos, acima de tudo. “Com o início da prática esportiva, me senti uma pessoa com autoestima mais elevada, criei independência em minhas atividades diárias, facilidade de me relacionar, além de poder conhecer outras culturas, as quais carrego para a vida”, afirmou a Bicampeã Parapanamericana.
Mas não é somente para Ana Carolina que o Goalball foi para além das quadras. Nosso outro entrevistado, Leomon, ressalta que o Paradesporto lhe trouxe mais saúde, sociabilidade e estabilidade financeira. Ele não poderia deixar de salientar também que conheceu sua esposa através da modalidade e que firmou uma visão mais ampla a respeito do Movimento sobre a Pessoa com Deficiência.
O caminho para todo Atleta Paralímpico de alto rendimento é árduo e exige uma série de escolhas complexas. O período que os separa do resultado pode ser desgaste e longo e tal espera pode significar a desistência. Contudo, se houver persistência, como nos casos dos dois personagens aqui retratados, a recompensa é inigualável.
“Com certeza, o episódio que ficará em minha memória serão os Jogos Rio 2016. Jogar em uma arena lotada, todos torcendo para sua equipe e gritando o nome de seu país é de arrepiar”, lembrou o medalhista de Bronze em solo carioca. Para Ana, o momento mais marcante de sua carreira foi também na Rio 2016, quando a equipe feminina conquistou a primeira medalha em um Campeonato Mundial, com um elenco jovem e desacreditado.
No universo esportivo, entende-se que somente talento é insuficiente para ser sinônimo de sucesso. É triste, mas também notório que estamos inseridos em uma realidade comercial e de parcerias, que promovem atletas baseadas em seus interesses institucionais. Questionado sobre as principais dificuldades da carreira, Leomon afirmou: “Com certeza, a dificuldade em conseguir parcerias e patrocínios para auxiliar o crescimento como esportista. Isso sempre ajuda no surgimento de oportunidades e encurta o caminho”. Sobre a mesma questão, Ana Carolina destacou a falta de incentivo na modalidade, visto que os equipamentos têm um alto valor agregado, assim como a ausência de profissionais capacitados para o Paradesporto.
Os dois convidados desse artigo, sem dúvidas, são grandes espelhos para futuros Paratletas brasileiros, já que o número de jovens que procuram o Esporte Adaptado cresce a cada dia. “Encaro como uma responsabilidade grande, mas com muita satisfação em saber que posso contribuir como exemplo para futuras atletas da nossa modalidade e mostrar que mesmo tendo muitas adversidades, tanto em nossas vidas quanto na sociedade, através do esporte podemos alcançar nossos ideais”, refletiu a artilheira de Goalball de 2015 até 2018. Leomon acrescentou que sempre busca ser o melhor exemplo possível de honestidade, maturidade e muito profissionalismo, objetivando não só ser referência para os praticantes da modalidade, mas também para as Pessoas com Deficiência.
Para fechar com chave de ouro, não tinha outro caminho a não ser trazer um pouco desse clima de ansiedade que já toma conta do Paradesporto Brasileiro ao falar de Tóquio 2020. “Quero poder voltar do país do Sol Nascente ostentando uma dourada no peito e falar: dever cumprido”, dividiu com expectativa o camisa quatro. No time feminino, a realidade é bem parecida. Ana Carolina frisou que a equipe tem totais condições de alcançar o lugar mais alto do pódio, com base nos resultados recentes e na qualidade individual de cada uma das atletas.
O caminho pode ser pedregoso. No entanto, ele é igual para todos aqueles que almejam algo semelhante. As estratégias, saídas para superar possíveis obstáculos na trajetória são particulares, ou seja, dependem em partes da zona de conforto de cada um. Basta traçar uma linha de raciocínio direta nos desejos pessoais, construir as alianças corretas para sentir-se realizado(a).
O Jornalista Murilo Pereira dos Santos é Paratleta pela categoria BC1 de Bocha Paralímpica Ituana. Ele é editor do "Prosa de Gol" (@prosadegol), nas redes sociais, e da página "Sem Barreiras" (@_sem_barreiras), esta última oriunda do seu blog, que também dá nome a sua coluna aqui no site Jornalista Inclusivo, sobre paradesporto e outras questões relacionadas a paralisia cerebral, acessibilidade e inclusão.