Deficiências ocultas no Mercado de Trabalho e os desafios na aplicação da Lei de Cotas

Colagem de quatro fotos: Carolina Ignarra sorrindo em uma cadeira de rodas, Beatriz Mazour com cabelo longo e encaracolado, Pedro Paulo Ribeiro em pé na frente de um vitral, e Roseneide Silva sentada fazendo um coração com as mãos.

Descrição da imagem: Colagem de quatro fotos: Carolina Ignarra sorrindo em uma cadeira de rodas, Beatriz Mazur com cabelo longo e encaracolado, Pedro Paulo Ribeiro em pé na frente de um vitral, e Roseneide Silva sentada fazendo um coração com as mãos. (Fotos: Acervo)

Além do não cumprimento da lei de cotas, pessoas com condições raras e deficiências ocultas relatam a invalidação e questionamentos de suas condições.

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    Boa leitura!

    Dificuldades Além do Visível

    Em meio à rotina agitada e às demandas profissionais, muitas pessoas enfrentam desafios que vão além do que os olhos podem ver. São deficiências ocultas ou condições raras que impactam vidas pessoais e profissionais de maneira significativa, por não serem visíveis externamente. Essa invisibilidade frequentemente resulta em mal-entendidos, capacitismo e obstáculos no ambiente de trabalho e na sociedade em geral.

    Dados do IBGE , em 2022, mostram a necessidade de políticas mais inclusivas e oportunidades de emprego para pessoas com deficiência no Brasil: apenas 29,2% das que estão em idade para trabalhar participam do mercado de trabalho, comparado a 66,4% da população em geral. Como consequência, mais da metade das PCDs (55%) vivia em situação de informalidade. Além disso, a taxa de desemprego entre PCDs é significativamente maior, sendo apenas 28% atuando formalmente.

    Impactos da Lei de Cotas

    Com 33 anos celebrados no dia 24 de julho de 2024, a Lei de Cotas (Lei  n.º 8.213/91)  promove a inclusão de PCDs no Mercado de Trabalho. Contudo, não determina cargos e níveis para vagas afirmativas. A ausência de experiências como estágios pode resultar em falta de oportunidades. Carolina Ignarra, CEO e Sócia-fundadora da Talento Incluir, ressalta que, em alguns casos, promoções acontecem apenas para compor a cota estabelecida.

    A predominância de vagas afirmativas apenas em funções de entrada também é uma prática comum. Ignarra observa que “muitas vezes a gente tem que pensar em dar passos para trás em um país que a gente tem índice de desemprego altíssimo”. O problema é reflexo da descrença no potencial de PCDs.

    Com 40 anos na área de tecnologia, o Cientista de Dados Pedro Paulo Ribeiro, 59, aposta agora no setor de inteligência artificial. “As empresas só contratam Pessoas com Deficiência como vagas afirmativas até o nível júnior, eu tenho vivido isso na pele”, afirma sobre a falta de oportunidades no seu nível.

    Desafios de Profissionais com Deficiências

    Pedro convive com dificuldades na coordenação motora e na fala decorrentes da paralisia cerebral. Na busca por empregos, já foi vítima de olhares e preconceitos. Certa vez, não se identificou como PCD no currículo e doze empresas entraram em contato. “Na entrevista online, todas falaram que a vaga de cientista de dados não era afirmativa. Algumas pessoas, ao me ouvirem falar, desligaram e me bloquearam na hora”, conta Ribeiro.

    Em processos seletivos o requisito de contratação deve ser a qualificação profissional dos candidatos, não o tipo de deficiência que apresenta, seja visível ou não. O autor da coluna Direito Inclusivo e advogado atuante no direito da Pessoa com deficiência, Gabriel Henrique enfatiza que falas ou atitudes explícitas de preconceito e até algumas negativas de contratação podem ser consideradas discriminação. O ato é crime previsto por lei.

    Adaptações para Trabalhar

    O Estatuto da Pessoa com Deficiência garante direito a cursos de formação e promoções. Logo, é essencial que a PCD possua iguais condições para se desenvolver. “Se a pessoa foi contratada para preencher a cota e não está sendo aproveitada da forma que deveria ou está estagnada, é um ponto que a gente precisa analisar”, complementa o advogado Gabriel.

    Roseneide Silva, 52, tem surdez unilateral e sofreu por conta da invisibilidade de sua deficiência. Ela define como humilhante a necessidade de verbalizar as adaptações que precisa. “Já aconteceu de alguns ignorantes gritarem comigo, baterem na mesa e acharem que eu sou distraída”, lembra. Quando atuou atendente de caixa, por exemplo, precisou expor a audiometria para que a posição do mobiliário fosse alterada para que ela ouvisse melhor os clientes.

    Desde 2023, uma nova lei garante às pessoas com deficiência auditiva unilateral os mesmos direitos previstos no Estatuto. Hoje, Roseneide é assistente contábil em uma vaga afirmativa, no entanto, o caminho até o reconhecimento como PCD foi conturbado. “Nem a minha família me aceita como PCD”, assegura. Essa resistência  é enfrentada por muitas pessoas, reflexo de uma cultura capacitista e da não naturalização das deficiências.

    A Importância da Avaliação Biopsicossocial

    “A deficiência hoje não é só o que a gente vê, tem várias nuances de PCD que a gente precisa analisar e nem o judiciário, nem a sociedade estão prontos para encarar isso”, enfatiza o advogado. Para Carolina Ignarra, a dificuldade no mercado de trabalho está relacionada ao enquadramento. Por isso, a avaliação biopsicossocial se consolida como um caminho para a inclusão e melhoria das condições de trabalho.

    A Lei Brasileira de Inclusão, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 13146/2015) é a legislação que garante os direitos às PCDs. Ele reconhece como pessoa com deficiência aquela que possui “um impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial”. Cita também a obstrução de sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

    A avaliação biopsicossocial é o princípio de enquadramento que vale para condições visíveis, invisíveis e doenças raras. A análise considera aspectos médicos, biológicos, psicológicos e sociais. “Antes essa avaliação era realizada só pelo laudo e não existe isso, a pessoa não é um pedaço de papel”, detalha o advogado Gabriel Henrique.

    Histórias de Desafios e Discriminação

    A jornalista Beatriz Mazur, 25, convive com dores pelo corpo, disautonomia, fraqueza muscular, dor neuropática e precisa de atenção médica constante. A definição de deficiência e a avaliação biopsicossocial ajudaram na sua identificação como PCD. “Até hoje eu me questiono, mas é passageiro porque no fim do dia não tem como negar”, comenta.

    Ela possui uma autoinflamação, deficiência de anticorpos e desregulação imunológica (APLAID+). Até aqui, as entrevistas de emprego de Beatriz acabam em frustração quando ela revela essa parte da sua identidade. “As pessoas ficam desconfortáveis, não sabem o que falar e pulam para conclusões muito facilmente”, diz. “Vou de uma candidata qualificada para alguém que não vale a pena nem cogitar em apenas um segundo”, relata.

    O desafio surge também da conciliação das condições com a vida profissional. Julia Tetzlaff, 28, pediu um mês afastamento das funções quando foi diagnosticada com Esclerose Múltipla“Fui demitida logo que eu voltei”, conta. Ela entende que está descobrindo suas dificuldades iniciais, que são problemas de mobilidade, visão e fadiga constante. “É uma doença complexa e eu não senti que fui bem recebida quando contei nas entrevistas de emprego ou trabalhos”, explica.

    Diante dos problemas enfrentados, Beatriz e Julia entendem que se a contratação de PCDs não fosse prevista por lei, não aconteceria. “A gente não é visto como valioso o suficiente por mais que a gente estude e tenha qualificações”, pensa Beatriz Mazur. O capacitismo e a resistência para mudanças ainda são desafios mesmo diante da Legislação Brasileira e da implementação da Lei de Cotas. “Falta o entendimento de que as leis trabalhistas precisam se moldar às capacidades das pessoas”, opina Julia.

    Contudo, existem meios de garantir a fiscalização de empresas, cumprimento de direitos, reconhecimento de infrações e até mesmo formas de apoio na busca por emprego.

    Direitos e Fiscalização

    A atuação começa a partir de denúncias dos cidadãos acerca de irregularidades trabalhistas junto ao Ministério do Trabalho do Brasil. A queixa pode ser anônima e não há exigência de provas materiais da acusação. A fiscalização sobre o cumprimento da cota estabelecida por lei é de responsabilidade dos Projetos de Inclusão da Pessoa com Deficiência no Mercado de Trabalho Formal das Superintendências Regionais do Trabalho.

    O coordenador estadual do projeto em São Paulo, José Carlos do Carmo, ressalta que a contratação de PCDs não é uma opção para as empresas. Além disso, em caso de demissão, a empresa é obrigada a contratar outra pessoa enquadrada como PCD, mas não precisa ser do mesmo tipo de deficiência nem no mesmo cargo. O não cumprimento da lei pode levar à autuação e até mesmo ações civis públicas.

    O auditor observa que a articulação social é essencial no processo de garantia de direitos. “As próprias pessoas com deficiência têm que ser protagonistas e não tratadas como objetos desta ação”, defende. Esse é o objetivo da Câmara Paulista para a Inclusão da Pessoa com Deficiência, que promove a integração de diferentes instituições – sindicatos, universidades, ministério público e outros. Além da câmara, comunidades online e empresas de diversidade atuam na promoção de diálogos entre PCDs.

    Conclusão

    A Lei de Cotas no mercado de trabalho é hoje a principal ferramenta legal para garantir a inclusão de PCDs. Contudo, o grande objetivo é que deixe de ser necessária. “Por ora, ela é esse direito fundamental de cidadania e do direito ao trabalho para as pessoas com deficiência que historicamente têm sido discriminadas e excluídas da sua inclusão no mercado formal de trabalho”, comenta José Carlos do Carmo.

    A inclusão de pessoas com deficiências ocultas no mercado de trabalho é uma questão urgente e necessária. Apesar das leis e iniciativas, a realidade mostra que ainda há um longo caminho a percorrer para garantir equidade de oportunidades. É fundamental que as empresas reconheçam o potencial das pessoas, contribuindo com um ambiente de trabalho verdadeiramente inclusivo e democrático.

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    Karina Almeida

    Formada pela Faculdade Cásper Líbero em Jornalismo, atua como Redatora Jr. no Instituto Conhecimento Liberta. Também trabalha com Produção de Podcast e de Conteúdo Digital e Áudio. Siga no LinkedIn .

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