Para celebrar Dia Internacional da Trissomia do Cromossomo 21, a Fisioterapeuta Neurofuncional Carol Nunes apresenta três emocionantes histórias sobre a coragem de amar
Neste 21 de março celebramos o Dia Internacional da Trissomia do cromossomo 21, mais popularmente conhecida como síndrome de Down. A trissomia do cromossomo 21 (T21) é caracterizada pela presença de três cromossomos 21 em todas ou, na maior parte das células de uma pessoa. Isso ocorre na hora da concepção de uma criança. As pessoas com T21 têm 47 cromossomos em suas células em vez de 46, como a maior parte da população.
Boa leitura!
Por que 21 de março?
As crianças, os jovens e os adultos com síndrome de Down ↗ podem ter algumas características semelhantes e estar sujeitos a uma maior incidência de doenças, mas apresentam personalidades e características diferentes e únicas. A T21 não é uma doença. Ela é uma condição genética. E amplamente falando, elas têm muito mais em comum com o restante da população do que diferenças.
A data não foi escolhida ao acaso. É uma referência à própria condição genética. O mês de março, 03 no calendário, faz referência à Trissomia (três cromossomos ao invés de dois). E o dia 21 é justamente por ser o cromossomo 21. Assim fica fácil guardar a data!
Neste dia são realizadas várias ações para chamarmos a atenção de quanto amamos as nossas diferenças. Por aqui não seria diferente. Mas como falar da T21 sem ouvir as narrativas das famílias envolvidas? Não existe um 21 de março sem os nossos indivíduos com tal condição. Então hoje, vamos ler e ouvir histórias de muito amor e muita coragem, contadas pelas próprias mães.
Para abrir o espaço de tanta troca de afeto, vamos contar a história do Danielzinho. Nosso caçulinha. O Dane hoje está com quatro meses. Quatro meses de muito amor. E a mamãe Michele nos contou muito orgulhosa a sua linda trajetória.
Confira os relatos e histórias dessa série especial:
Relato da mãe Michele
“Coincidentemente foi no dia 21 de março que descobrimos que o Daniel estava a caminho. Foi a melhor notícia da nossa vida. Daniel foi muito desejado e planejado, ainda mais pelo fato de eu ter sofrido um aborto cinco meses antes.
Minha gestação foi muito tranquila, salvo os três primeiros meses vomitando muito. Fiz o pré-natal direitinho, todos meus exames deram normais, inclusive a translucência nucal (TN), que é o exame que detecta se tem alto ou baixo risco de ter síndrome de Down.
Com 30 semanas de gestação, durante um ultrassom para avaliar o fluxo sanguíneo para o Dane, foi constatado que minha placenta estava “velha”, como se eu já estivesse com mais de 36 semanas de gestação. A partir disso toda semana eu fazia o exame para avaliar se o suprimento não havia diminuído.
A chegada do Dane
No dia que completava 36 semanas, o exame constatou que o fluxo havia diminuído um pouco, e se aumentasse era um fator de risco para o Daniel. Fui aconselhada a ir para a maternidade naquele mesmo dia. E assim eu fiz. Fui internada por volta das 16h, e às 18:46h o Daniel nasceu pesando 2,900kg e com 48 cm. Levaram ele para eu ver e a emoção era tanta que nem consegui enxergar ele direito. Pouco depois, enquanto ainda estava na mesa cirúrgica, o pediatra veio ao meu lado e disse: “Mãezinha, o Daniel está bem, mas ele tem uns estigmas sindrômicos”. Na hora eu estava tão feliz que não assimilei as palavras dele.
Depois, quando já estava no quarto (Daniel foi pra UTI porque teve hipoglicemia), outro pediatra apareceu e disse: “Ele tem algumas características físicas que são de síndrome de Down” e foi destacando as características. Eu congelei. Senti que o chão se abriu. Ele falava e eu já não ouvia mais, só balançava a cabeça concordando.
A primeira coisa que eu pensei foi: “Por que Deus? Por que o meu filho?”. A segunda foi: “Meu filho vai passar a vida enfrentando o preconceito”. Choramos muito, negamos, nos revoltamos, ficamos dias sem dormir. Foi um turbilhão de sentimentos. Quando pude me levantar, fui vê-lo na UTI. A única coisa que senti foi um amor tão forte. Eu olhava pra ele e via meu bebezinho tão desejado, e fiquei grata pela vida dele.
Outra pediatra veio conversar com a gente e disse que no ecocardiograma não apresentou nenhuma cardiopatia, e que colheu sangue para fazer o exame para confirmar as suspeitas, e que o resultado demorava de 30 a 45 dias para ficar pronto. Decidimos não contar para ninguém até que saísse o resultado do exame. Esperamos 82 dias pelo resultado. Quando abri o resultado, todo aquele turbilhão de sentimentos voltou. Era isso, meu filho tem síndrome de Down. Dessa vez os sentimentos se acalmaram rapidamente e fomos compartilhar com nossa família e amigos próximos. Graças a Deus todos nos apoiaram, o que foi fundamental.”
“Olham para o Daniel como ele é, um bebezinho feliz, sorridente, bravo, cheio de força e que tem síndrome de Down”
Relato da mãe Bia
Depois desse incrível depoimento é a vez de conhecer o nosso “veterano” de sete anos, o JP – figurinha já conhecida por aqui. É blogueiro, atleta, torcedor fiel do galo ituano e muito amado por todos que o conhecem. Meu amigão do coração.
A mamãe Bia nos contou que desejou muito ficar grávida. Logo que parou o anticoncepcional em pouco tempo a gravidez aconteceu. Uma gestação muito tranquila. Ela realizou todos os exames e fez acompanhamento e nunca foi apontada nenhuma alteração. Ela já tinha essa preocupação pois engravidou entre 38 e 39 anos.
O João nasceu dia 30 de dezembro. Uma data complicada pois haviam poucas pessoas no hospital, muitas estavam de férias e outras eram plantonistas. O nascimento ocorreu tranquilamente, no tempo esperado de gestação e sem intercorrências. JP foi para a UTI pois teve icterícia, mas a mãe percebia olhares diferentes das pessoas para com ela. Olhares de pena. Olhares de que algo estava errado. E isso despertou nela uma vontade muito forte de ver o João. A mãe pode vê-lo. Mas nada mudou.
No dia seguinte, quando o visitou na UTI, ele já estava bem melhor em relação a icterícia. Mas outro tópico não foi tão bom. Um plantonista que não conhecia a família e nem havia acompanhado o histórico do João se aproximou da mãe e disse: “Seu filho tem traços de síndrome de Down”. A mãe sentiu que ia desmaiar. Ela sentou e sentiu seu mundo desabar.
Início da busca
Ela nos contou que começou uma saga. Uma saga de uma criança que ela não conseguia reconhecer como dela. Uma criança com uma alteração que ela não conhecia, que ninguém perto dela conhecia e que ninguém na família, no prédio, no trabalho… tinha.
João não tinha força para mamar, e a médica suspeitou que ele pudesse ter alguma alteração associada. Foi descoberta a cardiopatia. E ali caiu o mundo novamente. A mãe conta que quando estava se habituando com seu bebê, receber a notícia de que seu filho tem uma doença séria no coração, que só se resolve cirurgicamente, fez seu mundo cair novamente.
A mãe nos contou que no momento do diagnóstico, para o pai já estava resolvido. Aquele era o filho dele e ele iria amá-lo incondicionalmente. Mas para ela não. Ela estava em um processo de “perder” o filho que ela idealizou, que ela imaginou, para poder amar um filho que ela ainda não conhecia. O médico colocou tantos medos nessa família, que a mãe estava em um processo muito dolorido dentro de seu coração.
Descrição da imagem #PraCegoVer: JP está na sessão de fisioterapia com a Carol, que é a aniversariante do dia. João usa camiseta preta e está em frente a uma mesa azul, onde há um mini-bolo de cenoura. A fisioterapeuta não aparece porque está gravando vídeo. Créditos: Acervo pessoal
O amor sempre vence?
Quando os pais começaram a trajetória para correção da grave doença cardíaca de seu bebê, por mais que a mãe ainda não o reconhecesse como filho, os laços de amor começaram a ser formados.
Começaram a surgir as preocupações, os cuidados, e muito afeto. Junto com todas as dificuldades de uma sequência de cirurgias importantes, surgiu uma rede de apoio muito forte, principalmente da família. Junto com a rede de apoio, eles encontraram forças para buscar informação e opções para o João. Visitaram ONGs, leram livros e iniciaram as terapias.
Mas a saga do João nem sempre foi tranquila. Ainda restavam algumas correções cirúrgicas em seu coraçãozinho. E em um episódio de falta de oxigenação, o mundo pareceu que iria desabar de vez. A situação foi se complicando e agravando a cada minuto. A mãe se ajoelhou diante da capela e conversou com Deus por horas. Ali, ela percebeu que não sabia o tamanho de sua fé. Como era grande. E como era extensa. Rezou para todas as crenças. O importante era a vida de seu filho. E mais uma vez, a rede de apoio da família e dos amigos fez toda a diferença. João fez a cirurgia, e com duas cirurgias seu quadro estabilizou.
Um dia após o outro
Desde pequeno, a mãe sempre se preocupou em estimulá-lo ao máximo, o tempo todo. Hoje João é uma criança de 7 anos, que vai para a escola, faz judô, faz natação, faz terapias (Fisio, Fono, Terapia Ocupacional, Equoterapia). Tem uma vida super ativa, super feliz, de bem com a vida, com uma alegria muito fácil e contagiante.
Ela finaliza dizendo “é um dia de cada vez! A gente vai aprendendo a lidar com as limitações, fazendo com que isso não seja um obstáculo, que isso seja um trampolim para que as coisas melhorem. A síndrome de Down está na minha área de transferência. Ela nunca está na minha fala com ele”.
A Bia deixa uma mensagem, de como a sociedade ainda precisa mudar o olhar para as pessoas com síndrome de Down. Que ainda hoje ela recebe olhares de pena em supermercados. Pais de outras crianças questionam se ele não irá atrasar o andamento da sala na escola. Mães tirando seus filhos da escola para não conviverem com seu filho com T21. Pais que puxam seus filhos para não chegarem perto da criança com T21.
“Empatia, dignidade e amor são palavras de ordem quando falamos em uma criança com deficiência. E se queremos uma sociedade inclusiva, devemos começar a incluir nossos filhos”
Relato da mãe Camila
E para finalizar a sequência de histórias que aquecem nossos corações e nos encorajam a enfrentar a vida, vem a história desse mestre da sapequice. O Mig, de Miguel, que para mim também é o Mig, de Migo. De Amigo. Nossa amizade vem desde sempre! Acompanhe a história contada por sua mãe, Camila.
“Nós já planejávamos ter um bebê há um ano. Quando fiz o teste e deu positivo, foi uma alegria imensurável. Tive uma gestação tranquila e nenhuma alteração nos exames realizados. Estávamos somente esperando nosso príncipe chegar. E ele chegou, porém com um diagnóstico não esperado. Fecho os olhos e vejo o médico falando que ele tinha traços de síndrome de Down. Eu fiquei em choque. Imediatamente criei um bloqueio e veio uma tristeza profunda. Não me conformava dos exames não terem identificado a Trissomia. Um misto de medo, angústia, preconceito tomou conta de mim naquele momento, pois eu nunca tive nenhum contato com pessoas com a T21.
Os dias foram passando, ficamos 28 dias no hospital e esse período serviu para que o medo de perder meu bebê por outra intercorrência fizesse da síndrome de Down, um mero detalhe. Quando fomos para casa, parecia que o Miguel tinha nascido naquele momento pra mim, porque só ali eu consegui enxergar quem era o meu filho, independente de qualquer característica. Fui conhecendo ele, e ele me conhecendo. E aí foi surgindo aquele amor avassalador.
Sim, o amor sempre vence!
Comecei uma busca incessante por informações e bons profissionais para a estimulação precoce. Profissionais que entendessem o que meu filho precisava como indivíduo, e não o que a literatura falava, e com o tempo fui acalmando meu coração, priorizando e curtindo cada momento que estava ao seu lado. E assim fomos construindo nossa relação familiar, em meio a pandemia, um cenário atípico, mas que serviu para nos unirmos ainda mais. Hoje o Miguel tem um ano e com certeza é a alegria da nossa família – mesmo que para alguns seja virtualmente”.
“Um bebê muito alegre e esforçado, que nos contagia com sua arma mais poderosa: O Sorriso!”
Haja coração! É tanto amor, que não cabe em artigo! Obrigada Michele, Bia e Camila por dividirem conosco a história de amor de vocês. A fala de vocês é urgente nesse mundo.
O 21 de março veio não para nos informar de tudo que uma criança com T21 pode apresentar. Ela veio para escancarar na nossa cara que, assim como toda criança, elas também têm uma história de muito amor com sua família. Começos difíceis, mas que o amor sempre vence. O amor supera tudo. O amor constrói tudo.
E no final, queremos todos a mesma coisa: Sermos felizes sem limites!
Formada em Fisioterapia pela Unesp, Ana Carolina Navarro Nunes tem especialização Neurofuncional com enfoque Neuropediatrico. É coordenadora do setor Neurofuncional da clínica Fisiocenter, em Itu (SP), onde também atende como Fisioterapeuta. Aqui no site Jornalista Inclusivo ela é responsável pelo espaço "Sem Filtro & Com Afeto".