Descrição da imagem: Duas fotos da artista plástica e escritora tetraplégica Eva Leite. À esquerda, pinta uma tela segurando o pincel com a boca. À direita, ela digita em um laptop usando um bastão na boca. (Foto: Reprodução)
Evento de lançamento da coletânea Fragmento da Flor terá palestra da autora, à partir das 15h, na Casa de Cultura do Varjão (DF).
Boa leitura!
Quarta Obra da Escritora Tetraplégica
A poetisa Eva Leite lança nesta quarta-feira (26), a partir das 15h, o livro Fragmento da Flor, uma coletânea de poemas autobiográficos que retratam os momentos mais significativos da vida da autora. Tetraplégica desde os 20 anos, ela encontrou na arte uma maneira de superar os limites impostos pelo acidente rodoviário que sofreu naquela época.
Além de escritora, Eva também é artista plástica e pinta com a boca. A publicação inclui ilustrações feitas por ela. O lançamento será na Casa de Cultura do Varjão, um espaço multiuso mantido pela Administração do Lago Norte e do Varjão, localizado em Brasília, Distrito Federal.
Este é o quarto livro da poetisa, que encontra na vida cotidiana a inspiração para suas obras. Em Fragmento da Flor, ela não demonstra receio ao abordar temas como a dor, a vida vibrante, os afetos, os desejos e os vazios que permeiam os espaços de sua existência, permitindo-nos explorar seu universo particular, conforme descreve a sinopse da publicação:
“Eva Leite cria jardins imaginários nos quais passeia com sua mente veloz e seus poemas trazem as flores e as cores da paisagem. Ela planta e colhe com o mesmo espírito que tem desde menina, e traz à lume um pouco da magia desse caminhar.”
Palestra Acessível de Lançamento
Com Fragmentos da Flor lançado em uma edição física, a autora busca resgatar e despertar o interesse pela leitura de livros impressos. A importância dessas obras na vida das pessoas será o tema da palestra ministrada durante o evento de lançamento.
“Apesar de estarmos vivendo um tempo de valorização da leitura virtual, eu acredito muito no potencial do velho amigo, do companheiro, o livro. O cheiro das páginas recém impressas faz diferença e muda a vida de quem se abre para essa experiência”, pondera Eva Leite.
Além de ressaltar a importância do livro impresso em um cotidiano altamente tecnológico, a autora pretende dar visibilidade à mulher na literatura, inspirando outras mulheres a se tornarem leitoras e, principalmente, autoras.
“72% dos escritores no Brasil são homens e, apesar de termos autoras incríveis, muitas mulheres temem se expor em um mercado que ainda traz os mesmos preconceitos de décadas atrás, de que os escritos femininos são vazios, frívolos e bobos, e que essa também é sua preferência de leitura”, argumenta Eva. A palestra ainda contará com interpretação para a Libras (Língua Brasileira de Sinais).
Fragmentos da Flor foi realizado com recursos da Lei Paulo Gustavo, apoio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF e parceria da Agenda Cultural Brasília. Durante o evento de lançamento, o livro poderá ser adquirido no local pelo preço promocional de R$ 15,00.
Coletânea de Poemas em Braille
Após o evento de lançamento, a autora fará uma palestra na Escola Classe do Varjão, levando aos estudantes reflexões sobre a importância de dedicar tempo à leitura e de preservar o uso do livro impresso. Durante o colóquio, ela também apresentará o Sistema Braille de escrita, mostrando um exemplar de Fragmentos da Flor. O livro foi adaptado e impresso em Braille, e será disponibilizado nas duas versões para bibliotecas do Distrito Federal.
“Muitas crianças nunca viram um livro em Braille e achamos importante e inclusivo que eles possam conhecer e manusear uma obra adaptada”, conclui Eva.
Serviço: Evento de Lançamento
Fragmento da Flor, de Eva Leite
Data: Quarta-feira, dia 26/06
Horário: Às 15h
Local: Casa de Cultura do Varjão, Quadra 02 – Varjão, Lago Norte, Brasília/DF (CEP: 70297-400)
Ingresso: Entrada gratuita
Programação: Lançamento, palestra e coffee-break
Entrevista: Pintora e Escritora Tetraplégica
Descubra as inspirações de Eva Leite, em uma entrevista íntima onde ela compartilha as experiências pessoais que moldaram sua jornada poética e artística. Da infância no interior do Piauí às reflexões diárias, Eva nos convida a explorar seu universo criativo e a força da arte no enfrentamento dos desafios. Leia mais sobre sua história e perspectivas na entrevista completa.
Inspiração Artística: Quais experiências pessoais mais influenciaram sua obra poética e artística?
Na arte, pelo menos comigo, eu pinto coisas de lembranças, memórias de quando eu ainda era criança. Por isso, adoro flores, borboletas, pássaros. Eu pinto pavões, que eu convivia com tudo isso lá pelo interior do Piauí, na roça. Tem muita coisa da infância. E poética é da vida toda mesmo, cada dia surge mais um assunto. São coisas que você lê a vida toda, que você ouve em algum lugar. Associa tudo isso ao que você tem na alma, porque tanto na pintura como na poesia vai muito da gente, muito das emoções ali do momento. Mas, no geral, você busca inspiração em todos os lugares, cada olhar seu.
Eu converso muito com meu professor de arte, que também é artista – professor Aldemir Nascimento -, e a gente concorda com essa ideia de que artista busca tudo nos lugares por onde passa, por onde vai. É um olhar já automático de captar as coisas numa imagem ou fazer uma poesia assim do nada. Você vê algo e ‘nossa, vou fazer poesia’. Por exemplo, outro dia, eu estava pintando aqui com o meu professor e veio um pássaro, um gavião atrás do pássaro. Eles voaram para a varanda, e o pássaro se jogou no vidro, pensando que era uma porta para entrar. Tadinho, se despedaçou no chão. E, aí, eu falei: ‘eu vou fazer uma crônica’. Mas até agora não deu tempo. Então, você vai escrevendo conforme o tempo, a inspiração, as emoções, a saúde permitem, sabe?
Superação e Arte: Como a arte te ajudou a superar os desafios impostos pela sua condição de tetraplégica?
Esse assunto é maravilhoso – superação e arte. A partir do momento que eu fiquei tetra, porque antes não tinha isso. Eu nunca gostei de artes, eu nunca frequentei escola de arte, aula de arte. Eu ficava conversando lá fora, não ia. Eu fugia mesmo da aula de artes, porque eu não sabia fazer uma casinha. Porque o ser humano, assim, ele se decide a fazer as coisas e, com fé e coragem, vai na raça, e consegue. Mas, enquanto você não se desperta para isso, para essa necessidade de criar, de fazer alguma coisa, não acontece. Primeiro, você tem que ter aquela vontade, aquele desejo motivado por alguma coisa. No meu caso, o que me motivou a mexer com arte foi exatamente a lesão medular. A partir daí, eu comecei a buscar caminhos, saídas para desenvolver alguma coisa, apesar de ser tetra.
E, a primeira ideia que surgiu ainda no Sarah Kubitschek (Rede de Hospitais de Reabilitação), no primeiro dia – quase no primeiro dia da minha lesão – porque dizem que toda a história do Sarah Kubitschek (o hospital) apenas quatro pacientes entraram lá no dia da lesão. E eu sou um desses quatro pacientes. Então, eu tive um bom apoio desde o início, fui muito bem atendida, né? Assim de tudo, do zero, porque eu nunca tinha visto uma cadeira de rodas. Mas, logo nos primeiros momentos (não sei exatamente quanto, mas bem rápido mesmo), quando eu cheguei no Sarah, a primeira coisa que os médicos me falaram é que eu nunca mais ia voltar a andar. Então, naquele momento, apesar de não acreditar nisso, desconfiada um pouco dessa informação, mas já comecei a construir essa ideia de escrever um livro.
Então, escrever para mim foi ótimo. Então, quando eu publiquei meu primeiro livro – que é a “Minha Vida Tem Rodas. Meu Sonho Tem Asas” -, eu fiz 500 exemplares, achando que eu ia vender nenhum, e fui para o Senado e para a Câmara. Pensei ‘pô, o pessoal lá tem dinheiro, né? Se não gostar do livro, não vai comprar, é claro, mas se gostar, pelo menos tem como comprar’. E vendi tudinho. Daí, eu pedi ao FAC [Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal] mais mil exemplares. Isso foi em 2005.
Tanto a arte de escrever como de pintar me ajudaram muito na questão da superação, porque eu ficava pensando ‘o que eu vou fazer, né?’ Não gosto de ficar assistindo televisão durante o dia, eu vejo à noite um pouquinho algumas coisas que valem a pena. Mas, então, como eu ia ficar sem pintar, sem escrever ou descobrir um outro caminho? E Deus me mostrou esses dois caminhos, que eu sou muito feliz, me dedico o tempo todo a eles – à arte de digitar e de pintar – e deu certo. Graças a Deus! Hoje, eu faço parte da Associação dos Pintores Com a Boca e os Pés (PVP), que tem sede na Suíça, e eu vivo disso, né? Eu pago minhas cuidadoras com isso.
Impacto Literário: De que maneira os livros impressos e a leitura têm um papel transformador na sua vida e na vida e de seus leitores?
Então o livro materializado é respondendo o Impacto literário, né?
O livro impresso… tem um ditado popular, que todo mundo conhece que é “quem é rei nunca perde a majestade”. Isso eu acho que pode ser muito aplicado ao livro, à questão do livro. É difícil definir o livro, né? É a coisa mais maravilhosa. Eu tive meu primeiro contato com um livro quando eu tinha cinco anos. Eu aprendi a ler em casa, sozinha, com 5 anos. Eu aprendi a ler, na verdade, em embalagens que a minha mãe comprava de poucas coisas – porque tudo era providenciado da roça -, mas sempre entrava alguma coisinha, né? E ela jogava fora e eu ia lá, pegava e ficava lendo. E eu ganhei um livro chamado Caminho Suave, em 1900 e nem lembro quando. Mas eu aprendi a ler em casa, sozinha. Desde então, eu nunca parei de ler. Até porque meus pais naquela época já contavam, né, queriam que toda a família soubesse que a menina começou a ler com cinco anos e ninguém acreditava, né?
E eu nunca parei de ler. Eu tô sempre, até hoje, lendo muito. Eu leio muito no notebook, no Kindle, essas coisas. Eu digo assim: que no mundo atual, onde reina a preferência pela leitura digital, então, apresentar um livro impresso é um desafio e é uma delícia. É acreditar, ficar na expectativa de que alguém vai comprar. Porque tem muita gente que ama livro, não deixa essa paixão de ter aquele livro, o cheiro da tinta. O livro, quando você abre, você é atraído para a leitura. Quando você lê no notebook, no celular, no laptop, sei lá, você tem um milhão de possibilidades ali, não é só a leitura. Então, tudo isso desvia a atenção.
Mas, quando você tá com o livro na mão, abre ele, você tem um livro ali, o universo dele para ler mesmo. Então, quem gosta de ler não perde esse prazer, né, de ter um livro em casa, um livro para pegar, para cheirar, para abraçar, para dizer que é meu, que não tá compartilhado com ninguém. Então, é isso.
Visibilidade Feminina: Como você percebe o papel da mulher na literatura brasileira e qual sua mensagem para outras mulheres que desejam escrever?
O papel é escrever, a função de escrever, digitar, de contar histórias. Eu tenho algumas oficinas prontas sobre escrita afetiva. Porque todo mundo escreve esse lance de escrita afetiva, né? Quer falar de uma comidinha, falar da mãe, falar da infância, falar de um momento – sei lá, do primeiro beijo… Tudo isso é escrita afetiva. Não tem a ver exatamente com amor. São memórias que te levam para histórias, para contos e é uma viagem maravilhosa esse tipo de escrita. Então, eu tenho as oficinas porque eu quero compartilhar, providenciar meios de fazer acontecer essas oficinas para mulheres, mulheres 60+, que sempre quiseram escrever e não têm coragem porque acham que é difícil, porque acham que tem que ter faculdade disso, daquilo. E não é verdade. Basta ter uma história na cabeça e isso é uma coisa que o brasileiro tem muito.
Então, o livro Fragmento da Flor é muito direcionado para esse público feminino e a intenção é exatamente motivar e inspirar mulheres a contarem histórias, escreverem suas histórias por meio de texto – seja qual formato, poesia, crônicas, prosa, contos, romance, qualquer história. Porque é muito bom você dividir o que é seu. A gente escreve muito da alma, muito de nós, de dentro. Eu digo assim: ‘os meus textos têm a intenção de iluminar o mundo com coisas boas, com coisas bonitas, com coisas inspiradoras. E eu chamo outras mulheres também a digitar, fazer texto, pegar uma canetinha ali, um papel e deixar na bolsa, porque vai escrevendo. Onde estiver, escreve alguma coisinha e, no final, quando vê, tem muita coisa, viu?
Porque, como eu teclo com a boca, teclinha por teclinha – quando teclo Amor é A, M, O, R, com a boca, com uma adaptaçãozinha, correndo atrás do teclado literalmente, das teclas, né? E dá muito certo. Eu tenho muita coisa ainda para ir para a gráfica. Estou publicando agora o quarto livro, o Fragmento da Flor. Então, assim, esse lance de escrever 20 minutos hoje e amanhã mais 20 dá muito certo para as mulheres que não têm tanto tempo, né? Quem é avó, quem tem mais de 60 também tem muitas ocupações, tem muitas atividades, mas dá para achar um tempinho para escrever, para digitar.
Então, assim, a minha mensagem é que tá na hora. Não pode deixar para amanhã. Você vai deixando as coisas para amanhã, mas chega uma hora que você tem que dizer para você ‘tá na hora de começar a escrever’. É comprar o caderninho, uma caneta, ir escrevendo, ou no celular, abrir o arquivo, e ir escrevendo coisas – sobre o feijãozinho, sobre o que que aconteceu no dia, um diário, enfim, contar a vida, contar a história.
Um Poema de Eva Leite
PINTAR
Autoria: Eva Leite
Minha alma se entrega
E se revela na arte.
Meu espírito celebra a vida
E não nega.
Minha boca leva o pincel
Que sobe, desce, escorrega
Forma pedaços, coisas pequenas
Fragmentos do universo.
Eva Leite. Entre Afetos.