Do cripface ao capacitismo, artigo sobre pessoas com deficiência nas novelas das nove, da Rede Globo, foi apresentado no TCC do curso de Comunicação e Publicidade da ESPM
Boa leitura!
Comunicóloga, Nana Datto ↗ (23) vive no Rio de Janeiro, mas é mineira de Nova Lima (MG), onde viveu até os 18 anos. Realiza palestras desde os 17 e, atualmente, atua como palestrante corporativa e inspiracional. Graduada recentemente em Comunicação e Publicidade pela ESPM/RJ, ela investigou como são representadas as pessoas com deficiência nas novelas das nove.
Em conversa com o Jornalista Inclusivo, sobre um pouco da sua vida e o seu trabalho de pesquisa, destacamos logo a sua primeira fala:
“O tema do meu TCC foi uma junção da minha paixão por novelas e pela minha sensibilidade na luta pela equidade de pessoas com deficiência (PcDs) em todos os espaços, principalmente nas telinhas.”
Confira o seu artigo e o nosso bate-papo.
Pessoas com deficiência nas novelas
Você costuma ver pessoas com deficiência em novelas, filmes ou séries? E, quando elas aparecem, como são retratadas? Foi diante da falta de representação das PcDs nas produções televisivas que a palestrante e publicitária Nana Datto decidiu pesquisar sobre o tema em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), apresentado no curso de Comunicação e Publicidade da ESPM.
Como resultado da pesquisa, seu artigo mostra “A representação das pessoas com deficiência nas novelas das nove, da Rede Globo, dos anos 2000 até 2020”, e foi realizado com base na pesquisa de 40 novelas exibidas no horário, período e emissora já descritos.
Os resultados encontrados foram apresentados a um grupo focal formado por pessoas com deficiência ou que possuem estreita relação com esse público. “O grupo emitiu suas impressões sobre personagens e cenários representados e me permitiu chegar à conclusão de que ainda temos muito o que caminhar para uma produção televisiva mais diversa”, afirma.
Pessoas com deficiência na TV: representatividade ou capacitismo?
Nana Datto buscou investigar como as novelas, no período de tempo escolhido, representavam as pessoas com deficiência. Além disso, analisou o papel da televisão como construtora de padrões estéticos e comportamentais na sociedade brasileira, assim como de que forma as telenovelas podem impactar nos preconceitos dos espectadores, a partir de suas representações, bem como verificar se há representação das pessoas com deficiência nesses programas.
A primeira conclusão é que, no universo pesquisado, há poucas produções que trazem PcDs como personagens e nenhuma delas vivendo papéis principais. Em 20 anos, apenas as novelas ‘América’ (2005), ‘Páginas da Vida’ (2006), ‘Viver a Vida’ (2008) e ‘O Outro Lado do Paraíso’ (2011) mostraram pessoas com deficiência em suas tramas, mas, de acordo com análise do grupo focal, tais presenças ainda reproduzem capacitismo e estereótipos.
“Outro ponto que chama a atenção é que, dessas quatro novelas com representação de pessoas com deficiência, apenas duas (Páginas da Vida e O Outro Lado do Paraíso) tinham atrizes PcDs representando as personagens. Nas outras duas produções, (América e Viver a Vida), as personagens PcDs foram representadas por atrizes sem deficiência, que é o que chamamos de cripface, quando atores/atrizes sem deficiência fazem papel de pessoas com deficiência”, explica.
E por que isso é ruim? Além de reduzir ainda mais o mercado de trabalho para pessoas com deficiência, também é capacitista ao induzir à ideia de que PcDs não são aptas a desempenharem a função de atores/atrizes em novelas, filmes e séries.
Novelas em perspectiva
Em ‘América’, por exemplo, a menina Flor era uma criança cega e, de acordo com o grupo, foi retratada como alguém limitada ou incapaz. Em ‘Páginas da Vida’, as cenas com a personagem Clara, com trissomia do 21 (síndrome de down), expõem o preconceito, mas poderiam se aprofundar na educação para a diversidade.
Já em ‘Viver a Vida’, a personagem Luciana usava uma cadeira de rodas em seu dia a dia e mostrava as dificuldades enfrentadas pelas pessoas na mesma situação de forma mais realista, inclusive denunciado a falta de empatia.
Por fim, em ‘O Outro Lado do Paraíso’, a saga da personagem Estela, uma mulher com nanismo, mostrou questões como falta de acessibilidade e, ainda, como o capacitismo nos reduz à deficiência no dia a dia. Em uma das cenas mostradas, uma personagem referia-se a Estela como “a anã da cidade” (termo que, inclusive, não é adequado para se referir a pessoas com nanismo).
Ainda há muito para avançar
“Por mais que as telenovelas tenham sido realizadas com excelentes intenções e, sem dúvida, colaboraram para o avanço dos debates sobre inclusão no Brasil, ainda apresentam problemas como cripface, desinformação que gera estereótipos e infantilização do corpo com deficiência”, opina Nana.
Por outro lado, por serem um fenômeno cultural reconhecido pela sociedade brasileira, dado o seu potencial mercadológico e também pelo seu papel social como construtora de identidades e difusora da nossa cultura, promoveram um alcance inimaginável à luta por uma sociedade mais acessível e inclusiva.
Por isso, ao levantar esse tema, Nana Datto busca auxiliar no rompimento dos tabus em torno dessas pessoas, uma vez que a deficiência é uma característica do indivíduo, mas não os limita a ela.
“Os seres humanos são plurais, possuem diversas características e habilidades e possuem a capacidade de conversar sobre assuntos variados e realizar atividades distintas. E é assim, com pluralidade e individualidade, que queremos nos ver representados nas telas da TV”.
Confira nosso bate-papo com Nana Datto:
- Durante sua pesquisa e investigação, quais foram as principais dificuldades e qual foi a conclusão?
Minhas principais dificuldades foram encontrar referenciais teóricos e bibliográficos para o meu projeto. Também tive dificuldade durante a minha pesquisa sobre as telenovelas, por ter escolhido um recorte muito específico. A minha conclusão confirmou a minha hipótese que construí no início do TCC, que infelizmente a representação de PcDs nas telenovelas é mínima e quando existe na maioria das vezes é utilizado o ‘cripface’, que é quando pessoas sem deficiência fazem papel de pessoas com deficiência.
- Quando e por que você sentiu que precisava fazer um trabalho voltado a visibilidade, representatividade e inclusão de pessoas com deficiência nas novelas?
Eu sempre fui muito noveleira, tenho paixão por novelas, assisto todas (risos). E quando não consigo assistir na TV, assisto no streaming. É uma herança familiar, é uma sensação de infância também, quando estou assistindo novelas lembro do meu avô, que faleceu em 2015, nosso programa favorito era assistir novelas juntos. E mesmo sendo apaixonada por novelas desde sempre, eu não me sentia representada nas telinhas, não via corpos como o meu e eu não entendia o porquê. Então pelo amor pelas novelas e por um desejo de fazer parte desse universo, eu decidi pesquisar sobre o tema, para entender melhor o que permeie essa realidade e como eu posso ser um instrumento de mudança em prol da inclusão de verdade e de todos. Pois novela é a retratação da realidade, e na vida real existem pessoas reais e diversas então é necessário tornar as novelas cada vez mais reais e diversas.
- Qual sua opinião sobre atores e atrizes sem deficiência interpretando papeis de pessoas com deficiência?
Eu acho uma pena, uma falta de respeito, uma forma de capacitismo. Temos muitos artistas com deficiência super capacitados para fazerem qualquer papel, com ou sem ênfase na deficiência. Ter uma pessoa sem deficiência representando PcDs inviabiliza nossa luta e põe a prova nossas capacidades e direitos. Somos além da deficiência, por isso o termo correto é pessoa com deficiência, a pessoa vem antes.
- Você sempre gostou de novelas, ou também curte outros formatos? Nesse contexto, além das telenovelas, qual é sua opinião sobre a representatividade das pessoas com deficiência em outras produções, tanto nacionais quanto internacionais?
Sim, sempre!!! Eu assisto novelas inéditas, repetidas… tudo! (risos). Eu curto audiovisual num geral, assisto series, filmes, documentários. Principalmente os nacionais, adoro produções nacionais e valorizo muito. Eu acredito que já avançamos em relação de termos artistas PcDs no audiovisual, porém ainda temos um caminho longo para percorrer. E ainda é necessário um trabalho educativo com a nossa sociedade, pois muito do capacitismo existente hoje em dia é por falta de informação. De todas as lutas minoritárias de direitos, a luta de PcDs ainda está em último plano na nossa sociedade. Mas sou uma pessoa positiva e otimista, vamos continuar trabalhando e mudando essa realidade em prol da equidade e inclusão de verdade e tenho certeza de que vamos chegar aonde merecemos estar.
- Nana, gostaria de acrescentar algo mais?
Só agradecer a oportunidade e reconhecimento e gostaria de encerrar com a minha frase autoral: ‘’Não existe evolução, sem inclusão.’’
Obrigada!
Nana Datto.
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