Barreira invisível no ensino superior: despreparo e capacitismo impedem acesso e permanência de autistas adultos. Apenas 0,8% consegue diplomação.
Brasília, agosto de 2025 – Apesar dos avanços na educação básica, o acesso ao ensino superior para autistas adultos no Brasil permanece em um cenário crítico. Um levantamento da organização Autistas Brasil, com base em dados recentes do IBGE, revela que apenas 0,8% dos autistas com 25 anos ou mais estão na universidade. O índice expõe uma exclusão estrutural quando comparado aos 20,9% da população sem deficiência que alcança o mesmo nível de instrução. Os dados mostram que o analfabetismo de pessoas com deficiência é quatro vezes maior – taxa de 21,3%, contra 5,2% daquelas sem deficiência.
A Barreira Invisível da Exclusão Estrutural
O dado alarmante é a ponta de um iceberg que esconde barreiras sistêmicas. Ambientes educacionais pouco adaptados, professores sem formação adequada sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), invisibilização de demandas sensoriais e preconceitos velados são alguns dos obstáculos que transformam a universidade em um ambiente hostil. O problema é tão profundo que, segundo a Autistas Brasil, quase metade dos adultos no espectro não concluiu sequer o ensino fundamental, evidenciando uma falha que começa muito antes dos portões da universidade.
Do Acesso à Permanência: O Desafio Real
Para a Autistas Brasil, o problema não é apenas entrar na universidade, mas conseguir permanecer nela. “O sistema educacional não foi desenhado para corpos e mentes neurodivergentes. Muitos de nós desistimos não porque não temos potencial, mas porque a estrutura não nos acolhe”, destaca Guilherme de Almeida, presidente da organização e pesquisador da Unicamp.
“Inclusão Não é Favor”: O Relato de um Estudante
A trajetória do estudante de Medicina Paulo H. O Buffa, de 35 anos, ilustra as barreiras de forma contundente. “Um dos principais obstáculos foi o diagnóstico tardio do autismo, o que afetou significativamente minha trajetória desde muito cedo. A educação básica já foi extremamente desafiadora, mas na graduação os desafios se intensificaram ainda mais”, relata. “Levei mais de um ano, por exemplo, para ter acesso à monitoria e ao tempo adicional nas provas, algo que deveria ter sido garantido desde o início. Essa demora e despreparo criaram barreiras quase intransponíveis para a minha permanência.”
A falta de preparo institucional e o preconceito também deixaram marcas profundas. “Existe um grande abismo entre o que é prometido nos editais e o que realmente acontece no cotidiano universitário. Em situações em que precisei de apoio ou tentei exercer meu direito de questionar, fui tratado com desdém e desrespeito”, lembra Paulo. “Certa vez, ao perguntar sobre um conteúdo que não compreendi, um professor respondeu simplesmente: ‘Porque Deus quis’. Em outro episódio, uma professora sugeriu que eu buscava por ‘privilégios’ ao tirar uma dúvida acadêmica. Ambos os casos foram levados à reitoria, mas infelizmente, nenhuma providência foi tomada.”
Ensino Superior no Brasil: O Caminho para a Mudança
A Autistas Brasil defende que o enfrentamento da exclusão educacional deve ser baseado em escuta ativa, adaptação real e formação contínua de professores. Paulo reforça essa visão: “O que teria feito diferença seria, acima de tudo, coerência entre o discurso institucional e a prática diária. Que a universidade e seus profissionais realmente entendessem que inclusão não é um favor, e sim um direito garantido por lei.”
Para ele, a presença de pessoas autistas nas universidades é uma oportunidade de transformação para toda a comunidade acadêmica. “Inclusão real exige ação, empatia, escuta ativa e compromisso com a equidade.”
Sobre a Autistas Brasil
A Autistas Brasil é uma organização de advocacy que atua desde 2020 na defesa dos direitos das pessoas autistas, com ênfase na autodefensoria, educação inclusiva e inserção no mercado de trabalho. Fundada por lideranças autistas, seu grande diferencial é a autorrepresentação: pessoas autistas falando por si, com protagonismo e empoderamento. A associação atua de forma propositiva e não assistencialista, valorizando as potencialidades individuais e buscando transformar a visão social sobre o autismo.